terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

EM DISPARADA

                                                                                                                                                                                                                                                                       EM DISPARADA
           Na infância, não tive calma, pois o tempo era uma noção desconhecida. Na juventude, queria engolir o mundo, como se o tempo futuro não existisse e o passado me envergonhasse. Na maturidade, vivi a ansiedade da preocupação com afazeres profissionais e familiares. Agora, já com mais de 55 anos, vejo o quanto essa falta me faz e como o tempo escorreu entre os meus dedos por não tê-los vivido inteira e sossegadamente. E é justamente nos anos que me esperam, que precisarei desenvolver essa difícil tarefa, porque a areia da ampulheta escorre e não há como impedir que o último grão caia afinal. Ainda será possível estabelecer outro tipo de vínculo?
                                                      
         Oração ao tempo com Djavan                                                        

                                         Mestre
                                                                            Ricardo Reis

Mestre, são plácidas 
Todas as horas 
Que nós perdemos, 
Se no perdê-las, 
Qual numa jarra, 
Nós pomos flores. 

Não há tristezas
Nem alegrias 

Na nossa vida. 
Assim saibamos, 
Sábios incautos, 
Não a viver, 

Mas decorrê-la,
Tranqüilos, plácidos, 

Lendo as crianças 
Por nossas mestras, 
E os olhos cheios 
De Natureza ... 

À beira-rio,
À beira-estrada, 

Conforme calha, 
Sempre no mesmo 
Leve descanso 
De estar vivendo. 

O tempo passa,
Não nos diz nada. 

Envelhecemos. 
Saibamos, quase 
Maliciosos, 
Sentir-nos ir. 

Não vale a pena
Fazer um gesto. 

Não se resiste 
Ao deus atroz 
Que os próprios filhos 
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos 

Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranqüilos, tendo

Nem o remorso
De ter vivido.




quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O DOENTE É O CULPADO


        No fim de semana passado, eu queria ter ido ao Largo da Igreja do Bonfim, onde estavam acontecendo várias atividades culturais em um evento voltado à prevenção do suicídio. Não sei se trata-se de uma iniciativa da Igreja Católica  ou se está associada ao denominado Setembro Amarelo , movimento de conscientização voltado ao problema que leva à morte 883 mil pessoas por ano, número maior do que os mortos em guerras, homicídios e desastres naturais. E não precisa ir muito longe: a cada 40 segundos, um brasileiro se suicida. 
      
          Possivelmente, por esse motivo, ouvi no rádio algumas matérias sobre o suicídio com membros do CVV (https://www.facebook.com/cvv141?fref=ts)*. A despeito das recentes declarações públicas de pessoas famosas e frequentes matérias sobre depressão, a sociedade parece continuar totalmente ignorante quanto ao tema.  E nada como a desinformação para afastar as pessoas daquilo que desconhecem e aprofundar seus pré-equivocados-conceitos. Nessas entrevistas, alguns dos reiterados mitos foram enfatizados:

        "Quem ameaça se suicidar, não comete o ato." Os especialistas dizem que, antes de cometer o suicídio, o doente faz vários avisos indireta e diretamente. Há dados afirmando que 75% deles avisaram antes. 

        "Se as estatísticas fossem mostradas, provocariam novos tentativas." O silêncio só faz com que as pessoas não se deem conta do quão grave é o problema e do quanto ele vem crescendo nos últimos anos;

        Nas reportagens, o que mais me chamou a atenção foi o questionamento de uma das  estudiosas entrevistadas: "Por que não se pergunta ao depressivos sobre a sua dor?"

        De fato, poucos perguntam sobre o que sentimos. Lembrei-me de que muitas pessoas, quando nos veem depressivas, fingem não notar, mas comunicam com o olhar. Pior é quando percebemos que sentem pena. Em alguns dos encontros, aos quais eu ia mesmo sem vontade, o meu desejo era ser invisível.  No meu caso, talvez não respondesse à pergunta, porque, embora não me esquive a falar sobre isso, falar mesmo com profissionais não foi solução apesar dos 40 anos de terapia. Na depressão, conviver dói. Houve dias em que eu só me movimentei para fazer uma única refeição, depois de longa insistência de marido e filhos e no ambiente mais seguro de todos- a nossa casa.

        A pergunta é respondida pela especialista do seguinte modo: "As pessoas não perguntam, porque os depressivos irão lhes falar dos males do viver. E elas não querem ouvir sobre isso." Concordo com ela. As pessoas podem não possuir a doença, mas padecem dos mesmos males inerentes ao espaço e tempo da pessoa deprimida. Apenas os sentem com intensidade diferente. Não desejam refletir sobre isso, mudar isso. Para elas, é melhor fingir que não os percebem, não podem e nem devem mudar a vida que levam. Não acho que estejam todos felizes com suas vidas, mas devem dispor de mais recursos físicos, emocionais e psíquicos para lidar com suas mazelas e vão tocando.

           De experiência, eu posso assegurar mais alguns mitos:

        "Remédios e terapia são suficientes para a convivência com a doença." Eis um mito difundido em reportagens de jornais e revistas. Reitero que eles são necessários, mas estão longe de serem suficientes. Além deles, é imprescindível o apoio familiar e a busca de outros tipos de terapêuticas, dentre as quais eu destacaria a acupuntura. Exercícios físicos diários, atividades manuais e o resgate dos hobbies preferidos também são de grande ajuda.

        "Ao não tomar os medicamentos, os doentes estão, consciente ou inconscientemente, boicotando a cura." Esse é um mito que os próprios médicos e terapeutas têm. No entanto, a depressão nos deixa em um estado de tamanho desânimo que o simples atos de se levantar, pegar cápsula e água e engolir ambos, nos parece um esforço hercúleo, portanto esse comportamente é mais uma das consequência da doença;

       Recentemente, em um grupo de desenvolvimento, caí na besteira de declarar que tinha depressão. Pela observação que já faço sobre as pessoas, receei fazê-lo na presença de uma das participantes. Sabia que ela não iria dar muita atenção a essa bobagem. Eu não estava enganada. No primeiro aborrecimento que tivemos, ela me ofendeu usando uma das frases clássicas:



"Depressão é frescura."

"Os depressivos adoram se fazer de coitadinhos."

"Quem tenta se suicidar quer chamar a atenção."

"Os suicidas são uns fracos"

         Na primeira oportunidade que têm, as pessoas jogam a pedra do preconceito em nós. Não é a primeira vez em que isso me acontece, mas sempre sou surpreendida, quando sinto, rente à cabeça, o vácuo do recente lançamento. A depressão é usada para nos ofender no âmago da alma, que é onde ela nos ataca. Em alguns desses momentos, meu mais profundo desejo é que contraiam a doença, embora saiba que não sentiriam o que sinto, porque quando ela é contraída em razão de algum problema não tem a mesma gravidade daquela fortemente marcada pela hereditariedade, com a qual se convive por toda uma vida. Assim talvez perdessem em arrogância e ganhassem em compaixão. 

        Essa doença tem a peculiaridade de ser a única que, além de precisar conviver com todos os sintomas e limites no tratamento, o enfermo é considerado culpado por possuí-la. 

* O CVV de Salvador funciona em Nazaré e atende 24 pelo telefone 3322-4111

domingo, 27 de setembro de 2015

NEM CANTOR, NEM COMUNICADOR, NEM HUMANISTA, UM SURFISTA


Acordei 6h, com um enorme sentimento de gratidão, mas ainda sem saber o porquê. Vi que o dia estava lindo, olhei para o marido dormindo e me lembrei que era aniversário dele, do meu menino, meu leãozinho, meu rei sol.  Ciro Coqueiro​ faz 22 anos hoje. Ciro filosofa como eu, mas é ponderado como o pai. Como a mãe, é extrovertido, porém tem um toque de educação e reserva. (desenvolveu mais a empatia). Ele é o homem que mais me provoca e tira do sério. Por outro lado, ele me encanta e prova que a sensibilidade, além de não ser característica exclusiva das mulheres, pode ser, cotidianamente, expressa por todos. Ciro é um cantor, um comunicador e um humanista. No início do curso de Engenharia Mecatrônica eu lhe perguntei: "Meu filho, você está feliz nesse curso? Você é mesmo um engenheiro? Você não é um cantor, um comunicador, um humanista?" Ele me respondeu: "Ah, mãe. Eu gosto mesmo é de pegar a minha prancha e ir pra praia."  Eu dei uma gargalhada. No entanto, só fiquei mais tranquila quando, ao contar a nossa vizinha, Bela, uma engenheira ambiental, ela retrucou: "Minha tia, não é na engenharia que estamos precisando mais de humanistas?" Eis a  anatomia de Ciro, como o vejo através do meu Raio "M":





UM CANTOR
Desde pequeno, as pessoas notavam o quanto Ciro era entoado. Tem um talento especial para o canto. Por dois anos foi o aluno escolhido para subir ao palco e representar as músicas premiadas do Festival de Música e Matemática dos Maristas. Essa habilidade provoca em mim um mix de raiva, inveja, admiração e orgulho.  Raiva, porque ele nem liga para o talento, inveja de não o possuir eu mesma, admiração porque é um talento que considero fabuloso e orgulho de que ele o possui, é ciente dele e isso pode nos aproximar um dia. Antigamente, ele vivia dizendo que eu não tinha ritmo, agora já não repete essa punhalada nas minha costas, mas ainda não me chama para um dueto. Adorei o dia em que ele chegou dizendo que o show do Teatro Mágico era a minha cara. Ale Carvalho também tinha me dito que eu iria amar.   Estou aguardando ansiosa o dia em que iremos juntos assistir ao show do grupo junto com o Scambo, cujas músicas ele fica me mostrando.

UM COMUNICADOR
Quando era pequeno, ele ficava no elevador com a cabeça para cima olhando para as pessoas. Elas eram obrigadas a falar com ele e quando saiam do elevador sem lhe dizer nenhuma palavra, ele falava: "tchau!"
Há 3 anos ele saiu dos Maristas, mas não passo pelo portão da escola sem que os porteiros perguntem por ele. Ainda essa semana Paulo foi abordado por um garoto que perguntou: "Você é pai de Ciro, né?".

UM HUMANISTA
Ciro é um humanista, sem deixar de fazer um esforço para ver o ponto de vista de quem é mais autocentrado. Na escola, tinha uma comunicação muito estreita com os professores mais preparados para o ofício, aqueles que não se limitavam ao conhecimento da disciplina pois cultivavam e provocavam maiores reflexões de ordem política e social (Shanti, Daiane, Isaque etc). Ciro sempre está nos provocando momentos de discussão filosófica e eu, uma filha da ditadura militar, amo ter essa oportunidade. Até hoje, guardo os seus livros de sociologia e filosofia em minha cabeceira.  Ele sempre promete assistir comigo aos vídeos que tenho curtido com pensadores como Viviane Mosé, Leonardo Boff, Márcia Tiburi, Flávio Gikovate, Mário Sérgio Cortela, Leandro Karnal etc . O problema é que ele tem um mantra: "AMANHÃ". Esse é um dos defeitos de Ciro, mas esse não é um texto para dissecá-los.  No entanto, o tempo passa galopando (ele já tem mais de 20 anos) e é preciso alertá-lo que o amanhã acaba fugindo entre a crina desse cavalo alado. De que modo? Poeticamente:

ADIAMENTO

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas em um edital...
Mas por um edital de amanhã
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...

Sim, o porvir...”

Fernando Pessoa, em Tabacaria e Outros Poemas 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A POÉTICA DA TERRA



Nesse sábado, encontrei-me com Vladimir Queiroz em uma das mesas-redondas da Pré-Flica na Caixa Cultural. Ele está de viagem para a Romênia para lançar novo livro: MUXARABIS. Eu lhe expliquei que tinha andado meio afastada dos eventos literários e não havia visto a chamada para o seu lançamento. O livro tem encadernação e ilustrações impecáveis e uma seleção de poemas maravilhosos.
 

ETÉREO

As estrelas dormiram
esta noite me olhando
e se me olham não revido.
Durmo
e cismo sonhando
com o brilho etéreo;
que por um instante sumido
continua brilhando
ao sabor da travessia.
Mantenho-o comigo,
mesmo que se tenha ido.

       Não sei quantos foram os livros de poesia editados por Vladimir, só que gosto muito do que ele escreve. Eu já tinha Luminescência, Nuances e Terracota  O último tem ilustrações belíssimas de nosso conterrâneo, o artista Juraci Dórea. Não me lembro de Vladimir da terrinha, lembro-me do poeta de feiras de livros e afins. Um dia, após nos cumprimentarmos no supermercado, tive a coragem de lhe perguntar de onde o conhecia. Ele me falou ser também de Feira de Santana, disse que conhecia Miltinho, meu irmão e que escrevia e costumávamos nos encontrar em eventos de Literatura.  Vladimir é meio tímido e não tem nada da arrogância que parece ser a marca dos escritores. Além dele, Mônica Menezes, José Inácio Vieira de Melo e Kátia Borges também estão no rol dos poetas atuais que não pedem para serem lançados na fogueira das vaidades. Estou enganada ou os artistas plásticos são menos vaidosos do que os da palavra?


BECOS

Por entre ruas escuras
na penumbra de ecos sujos
ouvem-se passos lentos,
cadenciados, soturnos, sinistros.

Passos que procuram encontrar uma voz;
retira o capuz, desnudar o algoz.

Ver surgir na confluência oval
e obscura de nó: o agave,
para desfibrilar a retórica,
ser o istmo que conecta dois mundos:
de um lado o santo do outro o medonho.

Ver o despertar da aurora
ao bater de asas alvissareiro.

Evitara o aperto sobre a glote
                             derradeiro.

       Edgar Allan Poe escreveu  "Filosofia da Composição", texto em que disseca o ofício de escrever. Como a maioria das atividades,  essa é minunciosamente planejada e arduamente construída. Depende de talento e inspiração, mas não prescindo de disciplina e esforço. No entanto, até hoje, época em que a possibilidade de escrever e publicar está superacessível,  quase todos os escritores publicados se porta como se fossem os escolhidos dos Deuses. O único momento de encontro com o leitor - aquele  que dá significado ao que ele faz - é o momento em que está autografando o seu livro recém-vendido.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

MMM (MINHAS METADES MARAVILHOSAS)

Angustiada, perguntei para a minha terapeuta: Andréa, quem sou eu? Essa múmia ou aquele vulcão? Ela me respondeu, para meu desespero, com muita tranquilidade: VOCÊ É AS DUAS... Hoje, eu não quero ser mais uma, a que mais ri e sempre persegui. Agora, nesse minuto, o meu sentimento é o de aceitar a guerra entre as metades...




Como hei de ser paz, se há guerra em cada diminuta umidade que irá se transformar em orvalho na manhã de amanhã? 





Antes de tudo, estou descobrindo que sou deusa: nem Afrodite, nem Athená. Já fui ao reino de Hades como filha e como mãe. Nada de Perséfone ou Deméter. Jamais a vingativa Hera. Só agora ouso ser curiosa. Quero, depois de queimar todas as fotos tristes e emboloradas, sentir que abro a minha arca onde, por 4 décadas, deixei escondida a minha boneca, Aninha. Quero abraçá-la, porque ela já não é grande e pesada demais para a pequena e magra menina que fui. Vou abraçar a minha boneca da esperança, que deixei esquecida no fundo do baú da memória. Cansei de ser Diana, não sou superpoderosa, bem sei! E estou cansada de guerrear, a grande guerra será interna ou externa? Ou não serão duas faces de uma mesma Vera?



NÃO HÁ O QUE CONFESSAR!

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

QUANDO A BELEZA É PROBLEMA


  


       Falamos muito em diversidade como algo positivo, mas na ação, os preconceitos estão de tal modo fossilizados, enraizados, calcificados, mumificados... Assistindo ao show, no qual  a atriz Bel Lisboa interpreta Rita Lee, vários amigos ficaram surpresos em ver a cena em que Ronnie Von a entrevista e sugere, ainda na coxia, que o nome de sua banda recém.formada seja MUTANTES, baseando-se em título de livro recente. "Foi Ronnie Von? Eu não sabia que ele era assim..." era o comentário geral... Desinformação total é do que estamos tratando. A jovem guarda não se resumiu a Roberto e Erasmo Carlos. Eles foram apenas os nomes a se destacarem mais.


     
Ronnie Von, Wanderley Cardoso e Jerry Adriane ficaram registrados na história da música popular brasileira como se fossem um trio uniforme, mas havia grande diferença entre eles. Ao menos de interesses. Ronnie Von é entrevistador até hoje, fala  várias línguas, tem um ouvido absoluto que lhe permitiu ser o campeão invencível do quadro ''Qual é a música" do programa Silvio Santos etc.



     

Um exemplo correspondente, mas mais forte ainda, porque em se tratando de sofrer preconceito as mulheres são imbatíveis, foi aquele de Bruna Lombardi. Ela surgiu como modelo na mesma época em que Xuxa Menegel e Luiza Brunet. Enquanto a última continuou mantendo sua imagem de mulher bela, eternamente jovem e cheia de classe, a primeira sourpreendeu a todos, tornou-se uma carreira de cantora e apresentadora infantil, nenhuma substância e tem conseguido sucesso financeiro e de audiência até hoje (por motivos comerciais, tem lançado vários produtos, dentre os quais um dicionário mais do que bizarro: o antieducativo denominado dicionário da Xuxa) e canta músicas totalmente alienadas e alienantes...), Bruna, por sua vez,  se lançou como atriz, apresentadora, diretora de cinema e poeta. Por ter feito ousado fazer uma incursão no mundo da intelectualidade, Bruna tem pago um preço bem alto. Pouco se sabe que ela lançou inúmeros livros de poesia e prosa, tanto no Brasil como no exterior e  ainda ridicularizam a sua relação, bastante estável, com também lindo ator, Carlos Alberto Richelli.
       Pois é, até no mundo artístico, onde a aparência significa tanto, somos mais aceitos se, em caso de sermos bonitos além da conta, ficarmos na nossa condição de burros e ignorantes. Nesse caso ganharemos os aplausos, receberemos cachês mais altos e estaremos nas capas e castelos da revista Caras. Enfim,  seremos admirados por milhões de gentis brasileiros!

*  https://pt.wikipedia.org/wiki/Ronnie_Von

**  https://pt.wikipedia.org/wiki/Bruna_Lombardi

terça-feira, 4 de agosto de 2015

OS POETAS VOARAM...


   


     Domingo, fui com a artesã, Mary Ruse, ao Brechó em benefício da construção das instalações da Creche Tia Nildete, no subúrbio de Salvador. Quem se interessar pela iniciativa da amiga Luiza Alvim, deve levar suas doações e ir ver novas peças a preços ótimos, nos dias 06, 07, 08 e 09, pois o evento fez tanto sucesso, que terá seu 3o. reprise. 

     Ainda na Ceasa do Rio Vermelho, experimentei um delicioso picolé de jaca e minha amiga foi comprar sementes para a sua pequena horta em vasos. Nesse local, havia várias aves engaioladas em exposição, para venda em espaços diminutos. Não resisti e perguntei à pessoa do balcão, provavelmente a dona da loja, se ela sabia, que havia sido proibido qualquer engaiolamento de pássaros na Índia ("PAÍS ONDE A VACA É ANIMAL SAGRADO, AGORA PROÍBE PÁSSAROS NA GAIOLA" no link). De pronto, ela me perguntou, se eu tinha cachorro em apartamento. Eu neguei e ela disse que isso também era confinamento. Concordei com ela, esclarecendo não ser meu o desejo, de que sua loja terminasse, apostando que ela seria capaz de adaptar o seu negócio caso isso fosse realmente cumprido aqui.  Muito educadamente, ela quis saber se haviam sido proibidas tanto a venda quanto a criação e eu lhe confirmei. Sua resposta foi: "Aqui é complicado, apontando para uma prateleira. As tartarugas foram proibidas também e a gente vende porque muitas pessoas procuram... 


     Vejam só: ela não se sente errada em vender, porque as pessoas compram e os que compram não se sentem errados em criar, porque as tartarugas são vendidas. Lembraram-se do ovo e da galinha? Na verdade, eu me esqueci de observar se eles também são vendidos lá. Eis um exemplo de que a culpa é sempre do outro, de que a lei deve valer só para ele. Eis aí o retrato da nossa face mais triste. Aquela que está sendo tão desvelada nesse momento histórico! Foi essa a lógica da escravidão? Lamento e me acalento com os poetas, que já voaram seja em palavras ou NÃO: 

                    


O PÁSSARO CATIVO

                       Olavo Bilac

Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
             A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
             O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?
É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
             Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
             “Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
             Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
             Tenho frutos e flores,
             Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
             Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
             Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
             Quero voar! voar! ... 
Estas cousas o pássaro diria, 
             Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
             Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
             A porta da prisão...
                                            
                          Do livro: Poesias Infantis, Ed. Francisco Alves, 1929, RJ