domingo, 2 de fevereiro de 2020

IEMANJÁ É A MESMA, E EU?


A ida a uma festa de Iemanjá há exatos 9 anos, motivou uma publicação de título xxx com a foto abaixo. Escrevi o texto porque uma amiga me viu de longe, vestida de branco, andando sob a areia da praia do Rio Vermelho e me achou bonita e feliz. Eu, ao contrário, não me sentia nada bem. Era um daqueles dias em que, eu tinha vencido a resistência de ficar na cama e aceito o convite para sair, porque insistiam e o destino era uma festa daquela natureza! O estado em que participei da festa naquele fevereiro de 2011 foi completamente diferente do que participei dela hoje e, é claro, a experiência vivida foi igualmente distinta.

Por iniciativa minha, aderimos à ideia de minha filha de dormir no apartamento de sua tia na Praia da Paciência. Chegamos lá próximo a 1h do dia 2, com planos de acordar e nos unir à programação
da 35a. Festa de Iemanjá da Pracinha do Alto de São Gonçalo. 

Eu só dormi depois das 2h e terminamos subindo a ladeira com atraso. Como o cortejo já havia descido com os presentes, descemos para encontrá-lo antes da entrega, sem sucesso. Assim, compramos 4 rosas (1 para ser jogada por cada um de nós e uma 4ª. na intenção de nosso filho, morando fora do país) e fomos fazer uma oferenda familiar. Fomos até o mais próximo que pudemos da murada junto à casa dos pescadores, até que eu não quis continuar, pois a caminhada sobre as pedras era muito difícil para alguém que perdeu muito do seu equilíbrio, seja por conta de medicamentos, seja pela idade e estilo de vida sedentário. Assim, logo joguei a minha rosa amarela e a azul do meu filho, que caíram sobre as pedras. Vendo isso, eles decidiram ir jogar as suas mais adiante, me deixaram e seguiram andando.

Eu, magnetizada pela profusão de tipos, com cabelos, olhos, peles e vestimentas exóticas, muito satisfeita em ver tantas pessoas com uma aparente liberdade de ser e se apresentar, fiquei observando o movimento do entorno. Mas a festa do Rio Vermelho também é uma festa de largo a cada dia mais longa e populosa.  Às vezes parece mais regada a cerveja do que às águas da Deusa. São muitos holofotes, muitas câmeras e pessoas posando para elas. Junto de mim havia um círculo de velas sobre uma reentrância no rochedo que foi fotografado infinitamente. Assim, resolvi tentar me conectar com o sagrado que me parecia tão difuso naquele momento.

Fichei os olhos e senti umas pedrinhas roçando os meus pés. Vi depois que pareciam pipocas, mas havia de fato uma pedra maior. Eu a apanhei para mostrar ao meu filho pelo celular e lhe dar, quando ele estivesse em nosso país. Pouco depois, percebi um zumbido de música próximo a mim. Quando localizei sua origem. Há meio metro, vi um homem negro, barrigudo, com uma bermuda branca, de cabelos raspados dos lados e com um topete e duas guias azuis e douradas no pescoço, entoando cânticos em uma língua africana, enquanto, com os pés imersos, apanhava e derramava água do mar sobre a sua cabeça voltada para o chão da praia. Eu reclinei o meu corpo e aproximei o ouvido esquerdo para acompanhar melhor o seu cantar. Quando terminou, ele pegou uma rosa branca e foi posicionando em seus chacras. Depois, despetalou a rosa sobre a outra mão, as macerou e esfregou com elas uma das duas estátuas de madeira que estava sobre as pedras e depois limpou a estátua na água com três movimentos de baixo para cima. Repetido o procedimento com a outra estátua, ele devolveu as imagens sobre um tecido branco já aberto como lençol, as enrolou e colocou em uma sua bolsa. Em seguida, pegou a maior das guias azuis, segurou uma de suas pontas no seu umbigo e com a outra mão aproximou a outra extremidade da areia imersa. Imaginei que ele fosse colocar a guia já limpa sobre as pedras. Ele não o fez. Ao devolver essa guia, retornou com a outra e procedeu do mesmo jeito. Por fim, agora com o corpo mais erguido, ele começou novos cânticos, acompanhados por mim e pelo ritmo das batidas de suas palmas.

Assim que ele pegou a suas sandálias, legitimas ou não, para ir embora, eu lhe falei:

- “Obrigada por ter feito o seu ritual perto de mim, eu estava tentando me conectar com algo assim”. Ele abriu um largo sorriso, apertou a minha mão, me ofertou a rosa branca que havia restado em suas mãos e saiu. 

Quando meu marido e filha voltaram, lhes contei, ainda em estado de transe, que eu havia ido dar um presente para Iemanjá e ela havia me retribuído o presente. Sim, Iemanjá é a mesma, a festa cresce, muita gente expõe uma fé que talvez busquem, mas não encontraram ainda, demos de cara com bêbados já largados sobre as pedras no alvorecer e axés são vendidos para pessoas em fila, mas ainda há a possibilidade de conexão com a própria fé e até a chance de contagiar outros com ela.