terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

UM NÃO QUE ERA SIM?

UM NÃO QUE ERA SIM?

                                                                                                 
 Ainda lembro bem. De mãos dadas e usando mortalha iguais, seguíamos uma banda no bloco. Quando passamos na frente do clube mais antigo da nossa cidade,   encabulada,   rompi o silêncio e disse: “Hoje é meu aniversário”,   ao que ele   respondeu:  “É o   meu também”.   Descobri que não mentia, décadas depois,  quando  me  enviaram o  link  do seu  perfil  no  facebook. Em algumas  fotos  antigas  era  exatamente  como eu o conhecera: bonito, de cabelos longos.


Como sou uma nostálgica e romântica inveterada, sempre cultivei as lembranças daquele primeiro amor que foi totalmente platônico. Além das mãos, a maior intimidade que tivemos foi no dia em que eu andava de bicicleta próximo à sua casa, seus amigos seguraram a minha bicicleta, ele me deu um beijo no rosto e saiu correndo.  Fora isso, eram sempre danças em carnavais ou festas de réveillon em que, calados, brincávamos no salão circular ao som de marchas de carnaval. No final, ele sempre me pedia em namoro e, como de era posto na moral social para as moças direitas da época, eu dizia que iria pensar.  Eu  bem sabia que  a minha resposta compulsoriamente seria um NÃO, mas durante o intervalo solicitado para pensar, gostava de sonhar que poderia ser um SIM. Um SIM que os meus pais jamais permitiriam, claro. 

  A paixão entre nós era conhecida na cidade. Lembro de uma conversa entre          meu pai e cerca de oito amigos na sala de nossa casa, em que me diziam: com o    filho de (nome do pai dele), não.Você pode namorar com o filho de Fulano ou     Beltrano, ambos, obviamente, amigos do meu pai e presentes na sala. A mim     restava apenas   ouvir.  Só a   perplexidade com os comentários era diferente   naquele meu hábito de só ouvir.


A tecnologia foi tornando cada vez mais fácil uma comunicação entre nós. E eu confesso que gostaria de lhe perguntar sobre o que foi para ele aquela experiência tão ingênua, de talvez rirmos juntos dos costumes da época etc. Tenho uma curiosidade de saber como o outro me via, que impressão tinha da minha realidade, como interpretava o meu comportamento... Talvez isso se dê só por uma necessidade de conhecer o meu passado para melhor compreender a argamassa que compõe as paredes que dão sustentação àquilo que sou hoje. Há muito sei que aquela pessoa não combinava com o ideal de companhia que, já naquela época, eu queria para mim. Mas ainda acho estranho não ser possível sequer uma conversa amigável, com uma pessoa que por anos foi o motivo dos meus suspiros juvenis.



Agora que ele já não tem cabelos e eu já não chamo a atenção, quando entro no salão, as  novas  tecnologias  me  permitem  constatar  que  nos  tornamos seres totalmente antagônicos em termos de valores e visão de mundo. E eu me pergunto em que circuito da festa momesca, o que foi paixão se tornou apenas serpentina no chão e suponho que aquele “NÃO” era mesmo para ser “NÃO”.