sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O MOMENTO CERTO OU A PERDA ERRADA?

Há cerca de uma semana, durante um jantar animado em Montevideu, recebi a notícia da morte de Geralda, uma amiga muito querida. Pessoas que já sabiam do fato esperavam um momento para me contar. De fato, não existe "o momento certo" para dar uma notícia desse tipo, mas algumas formas nos surpreendem tanto, que se tornam estranhos intrusos a invadir a nossa eterna festa de memórias. 

Isso também se deu quando me contaram que Wolton, um grande amigo, tinha morrido. Estávamos em uma serenata na varanda, quando eu e um vizinho descobrimos que havíamos estudado na mesma faculdade e o nome de Wolton surgiu. "Você sabe por onde ele anda?", perguntei. "Não soube? Ele teve um ataque cardíaco e morreu há alguns anos", foi a resposta que recebi. Assim, fui forçada a aceitar a presença daquela notícia inesperada entre as minhas lembranças.

Conheci Wolton na Faculdade de Arquitetura da Ufba, ele, veterano; eu, caloura. Ainda não tínhamos muita proximidade, quando o encontrei na entrada do Largo da Vitória e lhe disse que faria a cirurgia para correção do meu estrabismo. Tendo perguntado a data e o local, eu lhe informei que seria na quinta-feira, no Hospital das Clínicas. No Centro Cirúrgico, quando cessou o efeito da anestesia, a primeira visão que tive foi dele todo paramentado junto ao leito hospitalar. Nunca vou me esquecer disso, especialmente considerando ter ido me operar sem acompanhante. Ficamos muito amigos desde então.
Ele era filho de um casal de paulistas que, mesmo possuindo três filhos bastante distintos, tiveram a criativa ideia de diferenciá-los apenas por uma vogal: Wilton, Wolton e Welton. Sua mãe, embora cega, fazia todas as tarefas domésticas no amplo apartamento em que moravam no Campo Grande. Lembro-me dela sorrindo enquanto tateava e cortava as fatias da pizza que ia nos servir.  Naquela época, quando ia com Wolton à praia em sua brasília e eu pedia que fôssemos pela Av. Paralela, cujo percurso era mais rápido, ele reclamava do gasto de combustível por ser um caminho mais longo. Imagino o que diria se o litro da gasolina custasse em torno de R$5,00 como hoje.
Lembro-me de outro fato que exemplifica o quanto esse era um amigo sensível e especial. Certo dia, Wolton me convidou para irmos à noite ao Cine Bahia, na Av. Carlos Gomes. Na saída do cinema, ao nos dirigirmos ao seu carro, estacionado logo em frente, um grande despertador começou a tocar alto e continuamente. Atravessamos a rua apressados e ele rapidamente abriu a porta do carro e desligou o despertador. Essa tinha sido a forma que encontrou para não esquecer de me dar os parabéns nos primeiros minutos do dia 20 de abril de um ano qualquer das décadas em que tive o prazer de tê-lo por perto.

As grafias das pessoas estão sempre muito vivas em minha memória. Caso contrário, seria fácil relembrá-las, porque guardo cada pedacinho de papel que me escreveram. Entre os escritos de Wolton, tenho a minha grafologia que ele fez munido de um almanaque. De Geralda, cartas e cartões.