terça-feira, 17 de dezembro de 2019

COMO FESTEJAR O ANO NOVO

Em seu poema “O tempo” , Drummond escreveu:


“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar
e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez, com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui para diante tudo vai ser diferente.(...)”

O que fazemos para nos embriagar com a ideia de que viveremos um Novíssimo Ano? Depois de nos vestirmos com roupas brancas e novas, (algumas mulheres até usam peças íntimas com a dita cor do ano) vamos a uma festa com um grande número de pessoas, música e comida, damos pulos no mar e nos agarramos a alguns amuletos que nos assegurem grandes esperanças.

A mim, o Reveillon não entusiasma, mas já foi uma data na qual eu fiz quase tudo isso. Até o dia em que, com cerca de vinte anos, antes da virada, me dei conta de que não desejaria abraçar a maioria das pessoas da festa e saí correndo dela. Não deu tempo de chegar em casa e o relógio marcou a meia noite enquanto eu estava em um taxi tendo seu motorista como única companhia. Ao menos não precisei abraçá-lo por mera convenção. Talvez nos tenhamos desejado um Feliz Ano Novo. Não me lembro se isso se deu, mas mantenho a determinação de fugir desses encontros festivos em que um grande número de pessoas desconhecidas se reúnem em uma alegria artificial. No entanto, isso não significa que o Ano Novo não possa ser festejado. Em trecho do poema “Passagem do ano”, o próprio Drummond sugere um modo de fazê-lo:



“Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já se espirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer”.

domingo, 8 de dezembro de 2019

LAÇOS POÈTICOS

              Há dez anos, fizemos com Elisa Lucinda  a  Oficina de Poesia Falada que  gerou o  grupo DI VERSOS - Arte Poética Singular. Foram vários os recitais realizados e muito maior o número de encontros para prepará-los. Na nossa confraternização deste final de ano, como em todos os festejos, teremos a presença da convidada de honra: a Poesia.
             Em um recital na Faculdade 2 de Julho, eu comemorei o fato de estar aprendendo a falar poesia em público através do texto abaixo, que dialoga com um poema de Adélia Prado. Resolvi postá-lo em homenagem às pessoas que ainda participam do grupo (Silvana Mota, Fátima Santiago, Mara Vanessa, Jina Carmen, Luciano Santana, Marina Neves e Verusa Silveira) e àquelas que, por diversos motivos, se afastaram parcial ou definitivamente dele, como Juliana Machado, Mazé, Sarah Carneiro, Eugênia Galef, Rhuna, Nanda Leturiondo etc.


DE HUMANOS

DIREITOS HUMANOS

“Sei que Deus mora em mim
Como sua melhor casa
sou sua paisagem,
sua retorta alquímica
e para sua alegria
seus dois olhos.
Mas esta letra é minha.
(Adélia Prado em Oráculos de Maio, p.73)


Na verdade, Adélia, a letra pode se tua,
mas os sentimentos também moram em mim.
Não recebi teu com de traduzi-los em versos,
Bem sei. Apenas peço a Deus a alquimia
de fazer da minha voz, olhos e mãos,
dessa efêmera casa enfim,
instrumentos de uma precisa fotografia
da mais preciosa revelação
aos que comungam conosco essa humanidade.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

SEM ANESTESIA

                        Resultado de imagem para imagem com letras


SEM ANESTESIA
              Vera Passos

Despir-se até as veias,
Flexionar as pernas.
Seja bonina ou dor,
Da placenta de palavras,
Parir o feto que for.

domingo, 18 de agosto de 2019

INSONE



Bicicleta, Red, Moto, Ciclo, Andar De Bicicleta


BICICLETA

Mais de mês que meu nego viajou. A saudade pisava meu rosto, mas não deixava que atrapalhasse a lida do dia. Arrastava as pernas de toneladas: limpar a casa, lavar a roupa, fazer a comida que comia feito passarinho...Tudo lento, amiudado.  

À noite, ficava acordada, mantendo os seus olhos abertos. Ciúmes do volante sob suas mãos.

Nas segundas, boca piu no braço com fruta, ovo e verdura, o que dava para levar com os trocados que ainda tinha. E o povo da feira perguntando por ele...

Na volta, uma saia amarrada, um toço na cabeça e um coração de joelhos. O vento aliviou meu cansaço, empurrando a bicicleta.

Ouvi um grito:

- Ei, moça!

Me virei.

Ele, flecha de fogo em minha direção.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

AHH, INSENSATEZ



Recebi mensagens pelo whatsapp em que amigxs festejavam a aprovação do projeto base para a Reforma da Previdência. Que empresárixs e bancos festejem, até entendo, porque a maioria só visa lucros e manter x trabalhadorx até mais tarde é uma vantagem financeira, porque se trata de uma pessoa mais qualificada para a função. Os empresários não consideram a possibilidade dx trabalhadorx ter conseguido isso pelo próprio esforço, mas através de programas de qualificação e argumentam que se xs trabalhadorxs continuarem a se aposentar pelas leis em vigor, os investimentos feitos em sua qualificação serão desperdiçados. No entanto, desde 2011, os gastos não só com qualificação, mas com treinamento e formação profissional em instituições de qualquer nível de ensino, são dedutíveis do Importo de Renda de Pessoa Jurídica. Quanto aos bancos, é evidente que ganharão muitíssimo através de previdências privadas.
Ao meu ver, o pior da reforma é que depois de 20 anos de contribuição, os trabalhadores receberão 60% do valor com aumento de 2% a cada ano, ou seja, a pessoa precisará pagar mais 20 anos para receber os 100% (a integralidade da aposentadoria). E essa regra tão perversa, também vai valer para as pessoas com incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez).
Segundo o texto, as mulheres precisarão contribuir por 30 anos e os homens por 35 anos. Elas se aposentarão com no mínimo 62 anos e não mais com 55. Ou seja, 7 anos a mais. E os homens com 5 anos a mais. Ou seja, o aumento do tempo de trabalho para mulheres será maior do que para os homens.
Ao contrário de aprovarem o destaque que reduziria a idade de aposentadoria dos professores de ensino fundamental e médio da rede pública, a situação deles fico ainda pior: as professoras se aposentarão com 57 anos de idade e os professores com 60 anos, ambos com 25 anos de contribuição. Não foram consideradas as condições cada vez mais precárias em que trabalham esses profissionais, inclusive com risco de morte, dada a violência presente em muitas escolas. Além disso, a reforma penalizou ainda mais as professoras ao diminuir a diferença das aposentadorias porque, como na regra geral,  aumentou menos o tempo de trabalho dos homens do que o das mulheres: essas passaram a ter que trabalhar mais 7 anos, enquanto eles passarão a trabalhar 5 anos. Mais uma vez, as mulheres terão ainda mais prejuízos do que os homens. Parece que as professoras têm menos trabalho nas escolas e menor número de atividades fora dela. Em que país isso acontece?

Imagem relacionada

Os militares e políticos e o judiciário não foram incluídos e ainda foi extinta a aposentadoria compulsória para magistrados infratores. É inacreditável o fato de quem já tem privilégios passe a manter ou ainda obter maiores benefícios, em uma reforma tão propalada como solução para corrigir injustiças, beneficiando os mais pobres. Vale destacar que, para convencer a população dessa falsa ideia, foram gastos pelo governo R$ 103.000.000,00 em propaganda. Esse valor exorbitante poderia ter sido usado para criar postos de trabalho para os 101.000.000 de desempregados, o que iria contribuir para o aquecimento da economia (as estimativas do PIB só têm diminuído), considerando que aqueles que trabalham, podem consumir.   
Os servidores públicos serão penalizados, dentre outras coisas, porque, diferentemente de trabalhadores de instituições particulares que permanecem com teto máximo das alíquotas de contribuição praticamente igual, as alíquotas dos servidores públicos aumentam cerca de 50%, chegando a 16,79%.
A pensão por morte também ficará menor. Quando perder o seu cônjuge, não conje, o benefício familiar só será de 50%, com acréscimo de 10% por cada filho.
Esses são apenas alguns pontos que constam da reforma, há outros prejuízos como nas regras de transição etc. Um ponto muito discutido e que não foi contemplado na reforma é a necessidade de regras diferenciadas entre pessoas das diversas regiões do país, por conta das diferentes expectativas de vida.  
Quero que fique claro que não se trata de ter um pensamento de direita ou de esquerda, sempre fui contra a reforma da previdência, sejam as propostas por Dilma e Temer, sejam aquelas aprovadas por Bolsonaro ou Lula.
Alguns não se preocupam porque já se aposentaram. E as próximas gerações que já estão sofrendo tanto com a precarização do trabalho? E as pessoas de baixa renda? Hoje, há quem concorde com a reforma e ache que se aposentou muito cedo. Como não pensaram assim, quando solicitaram a aposentadoria? Coerentemente, devem voltar ao trabalho até que completem as novas regras. Qualquer pessoa, caso goste muito do trabalho, pode ficar nele até a aposentadoria compulsória. O que não deve é desejar que sejam penalizados os outros que não têm iguais condições físicas ou interesse.
Há também o caso dos que, morando em outros países, aprovam as medidas da reforma. Esses não consideram que as condições com que trabalham são bem diferentes das que temos no nosso país: nos transportes, saúde, respeito ao trabalhador, salários etc. É muito fácil decidir por mudanças que prejudicam apenas o outro. Se não se trata de desconhecimento, é egoísmo ou insensatez.