domingo, 31 de outubro de 2021

HALLOWEEN NO BRASIL?

 


O texto abaixo foi escrito e publicado no jornal estudantil "Lente Azul", no Cefet-Ba em outubro de 2004:. Eu o republico aqui porque ainda me parece atual.

HALLOWEEN NO BRASIL

Conhecer, sim. Imitar, não. Na entrada do Supermercado Bom Preço do Canela, existia uma loja com um pequeno letreiro onde estava escrito “SEW & HEEL (QUICK)’. Achei curioso encontra, na Bahia, uma loja com o nome totalmente em Inglês e me perguntava quem procuraria os seus serviços, uma vez que a grande maioria da população brasileira mal sabe ler. Depois de algum tempo, voltei ao local e vi queo letreiro da loja fora substituído por dois maiores que continham a expressão “Sapataria do futuro”. É bom explicar que o verbo “to sew” significa costurar, que “Heel” significa salto e “Quick”, observem bem, não “Qwik”, pretendia expressar que o serviço era rápido. Eis um letreiro cuja mensagem não cumpria o seu objetivo de informar e persuadir. Sempre conto essa pequena história e pergunto aos meus alunos se eles procurariam a loja caso lessem o primeiro letreiro ao que me respondem que não, por não saberem de que se trata. Olhem que eu faço a pergunta para estudantes do Ensino Médio ou de Cursos Profissionalizantes. Imaginem o que significa tal letreiro para a grande parte da população baiana, que não teve as oportunidades educativas deles. Essa é um bom exemplo do uso da língua estrangeira como elemento de exclusão social. Como professor Pasquale Neto, concordo que palavras em idiomas estrangeiros devem ser usadas quando não há equivalentes na língua portuguesa. A uso da língua é um dos elementos que definem a nossa identidade pessoal, a nossa identidade cultural e os nossos valores. Não se trata aqui de defender a proibição do uso de estrangeirismos, mas sim de evitá-los sempre que possível., visando melhorar a qualidade de nossa comunicação e valorizar a nossa cultura. Como professora de inglês compreendo que posso contribuir para o entendimento do mundo globalizado, onde o inglês é a língua de uso corrente, mas não considero ser de minha responsabilidade fomentar o estímulo ao seu uso em situações desnecessárias e até prejudiciais. Do mesmo modo, distingo bastante a necessidade de conhecimento de línguas estrangeiras daquele de importação de palavras e valores culturais estrangeiros. Porque ensino inglês, não vou “americanizar” os estudantes. Pelo contrário, sempre lhes propicio leituras e discussões que permitam uma análise crítica da realidade da superpotência do mundo atual, a exemplo do livro “Stupid White Man – uma nação de idiotas” de Michael Moore, um dos mais ferozes críticos atuais do estilo de vida americano (American way of life) cujos filmes “Booling for Columbine” (Tiros em Columbine) e Fahrenheit 11/09 foram bastante premiados nos últimos anos. Por tudo dito anteriormente, nunca promovi ou estimulei as iniciativas de halloween em nenhuma das escolas em que lecionei. Para aqueles que não conhecem a festa, trata-se da celebração, nos EUA, do dia das bruxas na véspera do Dia de Todos os Santos, na qual enfeitam-se as casas com abóboras ocas, e crianças vestidas de bruxas ou de outras figuras assustadoras visitam as casas, pedindo doces e ameaçando fazer malvadezas caso não sejam atendidas. Programo, para as últimas semanas de outubro, a leitura e discussão, em aula, do ensaio de Roberto Pompeu de Toledo na revista Veja de 06/11/96, cujo tema é belissimamente abordado: ”festejar halloween no Brasil é coisa de basbaques. Assim como saborear ”vanila”, vender “off”, despachar “delivery’. É coisa de imitadores. Ainda se fosse para imitar o que a civilização americana tem de fundamental, como o respeito à lei e á ética do trabalho, vá lá”, diz ele. Temos uma cultura muito rica e pouco valorizada, e não compreendo o sentido educativo de apenas reproduzi um evento cultural de outro país. Além do que, não se fala inglês só nos Estados Unidos, quase todo o sul da África fala esse idioma e, considerando a origem dos nossos ancestrais, seria mais sensato buscarmos conhecer, não imitar, as expressões culturais desses países. Querem fazer, não um Song Fest, mas um Festival de Música, um ciclo de filmes instigantes em língua inglesa, uma festa com reisado, capoeira e forró? Contem comigo. Mas se a proposta é holloween, como dizem os estudantes no nosso português da oralidade: “Tô fora!”

 

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

KAIRÓS: TUDO EM SEU TEMPO

    Comprei Kairós, último livro de Vladimir Queiroz, assim que ele foi lançado, no final de 2020. Não por coincidência, mas por sincronicidade, algo peculiar se deu: antes de receber o livro, encontrei a palavra do seu título, cujo sentido desconhecia, em um dos dois livros que estava lento, justamente em um parágrafo que deixava claro o seu significado. Como Vladimir tinha me pedido que lhe mandasse uma foto quando o tivesse em minhas mãos, imediatamente pensei em fotografar seu livro sobre a página do outro, com a palavra em destaque. No entanto, como estava muito deprimida, não tive ânimo de levantar da cama para pegar um lápis e assinalar a página. 

                                                           



    Quando o livro chegou, ele passou pelo protocolo de segurança contra a Covid-19 que utilizávamos em relação a todas as compras e correspondências: entrada pela garagem, álcool gel em embalagens plásticas, lavagem e imersão de frutas e verduras em solução desinfetante e quarentena no que não pudesse ser molhado. Obviamente o livro passou pelo último procedimento.

    À época, estávamos no meio de uma reforma e todos os materiais de construção eram armazenados na garagem. Passado um período razoável, procurei o livro e não o encontrei. Como temos muitos livros, aproveitamos o momento para doar parte deles. Foram três caixas grandes e cheias. Como ele continuasse desaparecido, comecei a ficar preocupada porque precisava fazer a foto, pois não queria deixar de satisfazer um pedido simples de uma pessoa que sempre foi atenciosa comigo. No entanto, passei a temer que o livro tivesse ido junto com as doações... Envergonhada, quando ele me ligou reiterando a solicitação, disse-lhe que todos os livros tinham sido empacotados por conta da bagunça e logo lhe enviaria o prometido.


    Só em maio, depois daquele que foi o maior período em depressão por que passei (seis meses), comecei a fazer a arrumação das minhas coisas pessoais. Por fim, no início desse mês agosto, resolvi organizar os meus livros: no escritório, os de Matemática e Inglês instrumental e literatura infantil; na sala, os clássicos; em um armário especial, os livros de poemas; nas estantes do quarto, os mais queridos e nas prateleiras da cabeceira da cama, aqueles que estávamos usando. Com alegria, descobri o esconderijo do fujão, peguei os outros dois livros e corri para tirar a foto. Pela minha lembrança, a palavra estava escrita no meio de uma das páginas da direita de um dos dois livros. Percorri um deles e não a encontrei onde julgava estar. Peguei o segundo livro e fiz o mesmo. Nada! Voltei ao primeiro e olhei em todas as páginas. Depois de varrer feito scanner ambos os livros, desanimada, resolvi compor a foto com os três e escrever esse texto. Não resisti à vontade de tirar outra foto, colocando exemplares das duas edições do meu livro “PROSAC – Letras em cápsulas”, ao lado do dele. Afinal, todos eles foram lançados na mesma época, em Kairós.



    


sexta-feira, 16 de julho de 2021

LIBERTE O FUTURO

Ano passado Eliane Brum lançou o movimento Liberte o Futuro e convocou as pessoas a enviarem vídeos sobre um futuro. Não participei, como planejara, mas escrevi o poema abaixo:


FUTURO

 

Ponho o mundo no colo

Para conter o seu pranto.

Massageio seus músculos exaustos

E lhe sussurro acalantos

Para que resista à sedução do algoz*.

 

Folheando as páginas do céu,

Conto histórias de uma estrela

Cuja abundância é partilhada,

E terra, água e ar ainda são crianças.

Onde inteligência e dolo não se irmanam,

E a justiça foi demitida por justa causa.

 

Ele confia e adormece sorrindo.

Tem sonhos mais belos do que os meus.

 

*o algoz somos nós.