quarta-feira, 10 de outubro de 2018

ESSE OBSCURO OBJETO DE DESEJO

Pode parecer estranho que uma discussão sobre relações entre casais, tenha se desviado para a forma como lidamos com o dinheiro. Mas não. Nessa nossa sociedade, o dinheiro é representação de poder, tempo, liberdade, valor pessoal, segurança e até de afetividade. Há quem adquira produtos caros, a longas prestações, para mostrar que pode possuí-los, há aqueles que compram apenas de marcas caras pelo status que isso representa, há quem não compre mais do que o essencial, porque economiza o seu dinheiro para quando se aposentar  (esses, na maioria das vezes, viveram com tanta austeridade, que terminam não conseguindo usufuir o conquistado), há quem é incapaz de comprar algo de valor para si, mas é de grande generosidade com as necessidades do outro etc. 

Todas esses símbolos associados ao dinheiro determinam a nossa forma de lidar com ele. É na nossa subjetividade que está a chave desse intrincado relacionamento, muitas vezes conflituoso, dissimulado e inconsciente. No meio de tantas representações, terminamos confundindo tudo.  Se nos sentimos mais importantes do que aqueles com uma situação financeira menos confortável à nossa, estamos confundindo o nosso valor pessoal com a nossa conta bancária.  Vivemos correndo, produzindo mais, perdendo qualidade de vida, na tentativa de ganhar mais e mais dinheiro.  E se julgamos que o amigo que nos deu o presente mais caro é aquele que tem mais apreço por nós, estamos associando dinheiro a afeto. 


Esse aspecto foi muito forte no meu meu relacionamento com meu pai.  Eu fazia uma lista das coisas que eu precisava e o quanto eles custariam. Daí até tomar coragem para lhe pedir essa quantia era um longo tempo. Eu começava a minha abordagem com o valor em mente e, enquanto lhe formulava o pedido, ia paulatinamente o ia diminuindo. E o pior é que, por mais que o valor realmente pedido fosse cerca de 20% do planejado, ele não o dava pra mim e eu saía não só me sentindo incompetente na argumentação, mas muito desamada. Sua atitude poderia não ser uma demonstração de que não me amava, mas era essa a minha interpretação e por isso eu me sentia tão derrotada e voltava chorando desse difícil encontro. Meu pai não era um homem pobre, foi um fazendeiro e comerciante bem sucedido, tinha muitos imóveis, gado, ações etc. Não importava tudo isso, importava que ele se sentia pobre e essa sensação se acentuava quando estava em crise depressiva. Nesses momentos, imaginava que morreria e nos deixaria desamparados financeiramente. O fato de ser casado em comunhão de bens, o impedia de sair vendendo tudo, porque a minha mãe o impedia. Do mesmo modo como não dá para culpá-lo pela forma como lidava com o dinheiro, não posso afirmar que não fui afetada por isso. Em uma proporção menor, também me sinto mais pobre  do que sou, muito mais ainda quando estou triste e bem mais rica se alegre. E isso se manifestou na minha vida, não só no meu sentimento, mas também nas minhas ações. Escolhi uma profissão sem nenhuma preocupação com a remuneração que ganharia com ela. Larguei de mão o dinheiro que recebi de herança, até que, temendo ficar sem uma casa própria, vendi todas as ações bancárias no Plano Real - período de maior desvalorização - para quitar um empréstimo do SFH.

Com dinheiro, temos a liberdade de frequentar mais lugares, conhecer mais pessoas, viajar e ver o mundo de modo mais amplo, ter mais acesso ao conhecimento, a tratamentos médicos e psicológicos, a bens culturais etc. Quantas vezes desperdiçamos dinheiro na compra de coisas na esperança de que preencham um vazio que é existencial? Quantas vezes somos avarentos conosco e não nos permitirmos usá-lo, porque não nos achamos merecedores dele? O salário que recebemos diz o quanto a nossa força de trabalho vale, embora nossos conhecimento, potencialidade e até o quanto investimos nele não sejam equivalentes.  Uma grande lição que tive sobre esse tema foi com Sirlene, a empregada doméstica da nossa casa. Sirlene só usa perfumes e sabonetes da Natura. Um dia eu lhe perguntei: "Sirlene, por que você compra esses artigos caros?"  Ela respondeu:"Ora, D. Vera, eu trabalho tanto, tenho esse direito." E ela está certíssima! Pelo que trabalha, ela deveria ter direito a muito mais.


Por todos esses aspectos, é nada surpreendente que nossa conversa tenha navegado nesse terreno difuso onde florescem relações aparentemente distintas.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O OLHAR QUE SEMPRE DESAPROVA


Há três anos, foi instituído o Setembro Amarelo como mês de prevenção ao suicídio. A iniciativa foi muito importante visto os  tabus que envolvem os problemas de saúde mental e o suicídio. No entanto, nesse mês, tomei conhecimento de duas outras companhas sendo iniciadas em associação com setembro (uma sobre o câncer e outra sobre a doação de órgãos). Nada contra qualquer movimento em prol desses sérios problemas, mas a superposição de movimentos no mesmo mês enfraquece a campanha do Setembro Amarelo e  reforça a minha convicção da pouca importância dada ou inconsciente desejo de esconder os portadores de distúrbios psicológicos. Isso é muito grave! Segundo a BBC* o suicídio entre jovens já mata mais do que o HIV e, no Brasil, esta é a 4a. maior causa de morte entre os jovens.

É natural que se tenha compaixão por quem passa por doenças tão graves quanto o câncer ou a Aids, mas a tolerância para distúrbios de comportamento é quase nula. Por esse motivo, tenho postado vários textos em que relato a minha experiência em ter perdido meu pai por suicídio e também possuir um diagnóstico de Transtorno Bipolar.  É preciso esclarecer que é um diagnóstico diferenciado daquele de Depressão. Se a atitude em relação aos deprimidos varia entre a de indiferença ou pena. No transtorno bipolar, o paciente oscila entre estados de depressão e de euforia.  Isto é ainda um agravante, porque se há uma tolerância àquele que se recusa a sair do quarto ou fica triste, choroso e calado em lugares públicos, é muito maior a rejeição aos que agitados, se exaltam e falam alto e irrefletidamente. Esses  são considerados mal-educados, inconvenientes. Não há perdão para eles!

Sendo educadora assumo a responsabilidade de contribuir para a diminuição do preconceito que faz tanto mal a milhões de pessoas. Nesse sentido, não me escondi em momentos em que estive super medicada, com a fala lenta e truncada ou excitada, super ativa e demasiado falante. Continuei a trabalhar depois de um médico da instituição me sugerir a aposentadoria por invalidez. Ao contrário, fiz questão de provar que uma pessoa como eu pode ser produtiva, lúcida e criativa, Depois de aposentada, fiz trabalhos voluntários,  produzo artesanato pela marca UM A UM Costumização, curso o Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Ufba, participo de recitais com o grupo DI VERSOS - Arte Poética Singular, escrevo nesse blog, tenho dois livros no prelo (um de poesia e outro de crônicas selecionadas desse blog, ambos associados a essas experiências pessoais).

A título de exemplo, seguem alguns eposódios que vivenciei e demonstram o preconceito em relação aos portadores desses distúrbios psíquicos:

1. Eu estava na porta do ICEP - Instituto de Convivência Estudos e Pesquisa Nise da Silveira, clínica onde faço tratamento (terapia coletiva, individual e musicoterapia) e colocava objetos no porta-malas do carro, enquanto um homem conversava com um dos pacientes. Assim que o paciente saiu,  essa pessoa me perguntou: "Você trata desses malucos?" De pronto, respondi: "Não, sou um deles!"

2. Estava em uma atividade do ICEP que envolvia pacientes e seus familiares (aula de culinária), quando a mãe de um dos pacientes, também nessa aula, me perguntou: "Você acompanha quem aqui?" Eu lhe respondi: "Eu mesma."

3. Mais de uma vez, em grupo de amigos, quando eles falavam criticando alguém, justificavam as supostas atitudes equivocadas dessas pessoas dizendo "Ah, mas ela é bipolar". Ao que eu respondia: "Eu também sou bipolar, lembram?

Pois é, em uma situação ou na outra, o olhar da maioria torna a doença nossa maior companhia.

Dados extraídos de:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-39672513

http://www.a12.com/redacaoa12/brasil/suicidio-mata-mais-que-cancer-e-aids

https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quantos-suicidios-acontecem-anualmente-no-mundo/

https://g1.globo.com/bemestar/noticia/numero-de-suicidios-subiu-11-entre-2011-e-2015-no-brasil-diz-ministerio-da-saude.ghtml

https://noticias.r7.com/saude/estavel-suicidio-entre-jovens-ainda-e-quarta-causa-de-morte-no-brasil-21052018

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O MOMENTO CERTO OU A PERDA ERRADA?

Há cerca de uma semana, durante um jantar animado em Montevideu, recebi a notícia da morte de Geralda, uma amiga muito querida. Pessoas que já sabiam do fato esperavam um momento para me contar. De fato, não existe "o momento certo" para dar uma notícia desse tipo, mas algumas formas nos surpreendem tanto, que se tornam estranhos intrusos a invadir a nossa eterna festa de memórias. 

Isso também se deu quando me contaram que Wolton, um grande amigo, tinha morrido. Estávamos em uma serenata na varanda, quando eu e um vizinho descobrimos que havíamos estudado na mesma faculdade e o nome de Wolton surgiu. "Você sabe por onde ele anda?", perguntei. "Não soube? Ele teve um ataque cardíaco e morreu há alguns anos", foi a resposta que recebi. Assim, fui forçada a aceitar a presença daquela notícia inesperada entre as minhas lembranças.

Conheci Wolton na Faculdade de Arquitetura da Ufba, ele, veterano; eu, caloura. Ainda não tínhamos muita proximidade, quando o encontrei na entrada do Largo da Vitória e lhe disse que faria a cirurgia para correção do meu estrabismo. Tendo perguntado a data e o local, eu lhe informei que seria na quinta-feira, no Hospital das Clínicas. No Centro Cirúrgico, quando cessou o efeito da anestesia, a primeira visão que tive foi dele todo paramentado junto ao leito hospitalar. Nunca vou me esquecer disso, especialmente considerando ter ido me operar sem acompanhante. Ficamos muito amigos desde então.
Ele era filho de um casal de paulistas que, mesmo possuindo três filhos bastante distintos, tiveram a criativa ideia de diferenciá-los apenas por uma vogal: Wilton, Wolton e Welton. Sua mãe, embora cega, fazia todas as tarefas domésticas no amplo apartamento em que moravam no Campo Grande. Lembro-me dela sorrindo enquanto tateava e cortava as fatias da pizza que ia nos servir.  Naquela época, quando ia com Wolton à praia em sua brasília e eu pedia que fôssemos pela Av. Paralela, cujo percurso era mais rápido, ele reclamava do gasto de combustível por ser um caminho mais longo. Imagino o que diria se o litro da gasolina custasse em torno de R$5,00 como hoje.
Lembro-me de outro fato que exemplifica o quanto esse era um amigo sensível e especial. Certo dia, Wolton me convidou para irmos à noite ao Cine Bahia, na Av. Carlos Gomes. Na saída do cinema, ao nos dirigirmos ao seu carro, estacionado logo em frente, um grande despertador começou a tocar alto e continuamente. Atravessamos a rua apressados e ele rapidamente abriu a porta do carro e desligou o despertador. Essa tinha sido a forma que encontrou para não esquecer de me dar os parabéns nos primeiros minutos do dia 20 de abril de um ano qualquer das décadas em que tive o prazer de tê-lo por perto.

As grafias das pessoas estão sempre muito vivas em minha memória. Caso contrário, seria fácil relembrá-las, porque guardo cada pedacinho de papel que me escreveram. Entre os escritos de Wolton, tenho a minha grafologia que ele fez munido de um almanaque. De Geralda, cartas e cartões.

domingo, 13 de maio de 2018

PARA O QUE SERVEM AS MÃES?



AMOR À VISTA
                                   Para Ciro Coqueiro

Prepara o ombro, mãe
Vem comigo,
Me segue com o olhar.
Já limpei a prancha,
O amor me chama.
Eu temo as ondas, 
Mas remo e sigo,
Não sei resistir.

Enquanto a retrato,
Preparo sorvete e quarto,
Aquece teus braços, mãe
Quando a ressaca chegar,
Quero te ter lá.