sábado, 9 de setembro de 2017

LEVES PEDRADAS AO FINAL DA TARDE

O dia era segunda feira, o semestre, atrasado, era 2017-1 o local, a Faculdade de Letras da Ufba, a alegria era a de estar, pela primeira vez, falando em público um poema próprio para um público, festejar a descoberta não um talento fenomenal para a poesia, mas a voz poética de cada um de nós, a possibilidade de expressá-la sem tantos julgamentos, sem sermos os nossos próprios críticos e algozes, a comunhão dos quem tinham engatinhado juntos e pressentiam que um dia iam caminhar eretos. Foram essas as impressões que me ficaram do nosso Sarau de Pedradas Poéticas. O público foi bem menor do que o esperado, a Ufba já estava esvaziada com o final do semestre, o horário, 18h era muito inconveniente e choveu bastante. Ainda assim, pessoas especiais compareceram além de amigos e artistas, meu marido e filha e os poetas Sandro Ornelas, Lívia Natália e Vladimir Queiroz .


O professor, digo, estagiário e mestrando, Pedro Sena,  não poderia ter conduzido melhor a disciplina. Eu me ressentia de Pedro não avaliar os meus poemas, de não fazer sugestões etc. Como educadora, sabia dos cuidados que precisamos ter com a autoestima do estudante e dos limites que há em sugerir modificações, avaliar produções assim tão abstratas, pessoais e carregadas de sentidos emocionais. Mas eu buscava em os seus conselhos, a técnica, se é que ela existe. Houve dias em que eu não escrevi nada, outros em que desisti de ir e voltei para casa do meio do caminho até Ondina, muitas vezes deixei os textos e exercícios para serem feitos na manhã de segunda, dia da aula e leitura partilhada deles. Cheguei a planejar trancar a disciplina, eu iria fazer o maior esforço para produzir algo e continuaria ignorante do valor do escrito e desconhecendo formar de lapidar a pedra? Pedro sabe ouvir, não faz julgamentos, valoriza todos, cria uma atmosfera de intimidade respeitosa, fala com conhecimento dos textos propostos como guias para o componente curricular, determina os métodos que facilitem o processo, traz música e seleciona a trilha sonora que vai se unir a folha branca à espera dos registros das veias de sangue de cada um@, aguça a nossa curiosidade sugerindo centenas de outras leituras, conta "causos" da sua Ipirá querida, convida seus pares poetas a serem presença viva em meio a nós. Mantém comunicação constante com seus alunos por grupo de discussão.  Michele questiona a ausência da poética feminina na sua seleção de autores e ele, antes da aula seguinte, nos envia uma seleta de pedradas poéticas feministas. Do alto do meu arrogante sentimento de conhecedora da educação, preciso fazer ao menos sugestões:


1) apresentar o sarau cerca de 15 dias antes do final do semestre para que  haja maior participação dos segmentos universitários;
2) conclamar o professor da disciplina que, ao menos uma vez, ele apareça na sala de aula;
3) encontrar a justa forma de comentar e fazer sugestões para as produções dos estudantes sem deixar de ser um incentivador respeitoso, ele já o é. Assim, as versões finais dos poemas estariam mais lapidadas;
4) não fazern mais nada, porque se mexemos demais, pode desandar a panela do cagica sertaneja, visse?

No começo, não me assustava a jovialidade do professor, mas seu excesso de informalidade. Cheguei a ligar para um amigo professor de literatura para que de São Paulo ele me fornecesse os pareceres de que me sentia carente. A turma foi se tornando mais próxima, o ambiente foi ficando mais acolhedor, os medos foram dando lugar à confiança e solidariedade, as risadas passaram a ser mais frequentes... fui fisgada! Com a proximidade de entrega dos 11 do portifólio com os 11 escritos propostos, comecei a me sentir sob encantamento, transbordando ideias que mal dava conta de anotar, fazendo contos, crônicas e poesias sobre um mesmo tema e com narradores diferentes em menos de 2 horas. A surpresa era demasiado grande e como sempre a associei à loucura. Mas loucura mesmo tem sido conter o admiração e gratidão por tudo partilhado entre aquelas quatro paredes de luz e vento.




sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O MOÇO DE BOTAS PASSOU POR ELA


Eis uma versão virtual da casa que voa nas asas de 
Pégasus por entre as nuvens dos meus sonhos. 

A CASA BRANCA QUE VOAVA
                                 Florisvaldo Mattos

                                                          Vou al encuentro di mi miesmo
                                                          La hora es bola de cristal.
                                                                                       Octávio Paz 

Deixo a casa que para mim voava.
Sempre fincada estava, mas tinha asa.
Saltava serras, rios navegava;
corria em trilhos, sendo sempre casa.

Sentado num jardim, me concentrava,
mirando as árvores; em tarde rasa
de frescor, vinha e súbito pousava.
É pelo coração que o sonho vaza.

Era assim, por sobre horas e distâncias,
ela vindo alisar as minhas ânsias,
às vezes, a sentia em minhas mãos.

Não sei se é o destino fatal das casas.
Sei que, sempre de nervos e mente sãos,
vezes acordo sobre aquelas asas.

(SSA-BA, 04.01.2016)     Matéria sobre o livro