quarta-feira, 8 de março de 2023

O QUE HÁ DE MACHISMO EM MIM

 

                 

    Nasci de um homem muito machista casado com uma mulher de 18 anos, 13 anos mais jovem do que ela. A minha mãe era uma mulher muito forte e, em alguns assuntos, à frente do seu tempo. Essa mulher, ficou viúva com 35 anos, mas o machismo estava tão internalizado nela que consentiu que ele limitasse o seu futuro: não se permitiu viver uma nova relação, continuar os estudos e constituir uma carreira, usar roupas decotadas etc. Sei que era uma feminista, sem se permitir ser, porque aprendeu a dirigir sozinha, fotografava sem ter tido um curso e me levou ao único psicólogo da cidade para que eu fizesse terapia quando começamos a ter atrito na minha adolescência etc. Meu pai tinha poucos recursos financeiros e ela era uma herdeira de fazenda e outros bens, e, embora contrariada, deixou que ele administrasse os seus bens como bem quis.  A frase que demonstrava a sua ânsia de liberdade, sua sede de ocupar um lugar no mundo menos subjugado, jamais esqueci: “Vá estudar pra não depender de homem!” Está aí o gérmen que brotou em mim o desejo de educar os meus filhos para que contribuíssem para um mundo mais igualitários entre os gêneros.



    Comecei desejando que fosse uma filha a primeira criança que eu poria no mundo, não só porque ela teria uma maior atenção de todos da família, mas também porque temia que sendo um filho, ele se sentisse no direito de controlar a irmã. O universo não quis facilitar as coisas para mim. Tive um filho e só depois, uma menina. O que fiz para que ao menos a minha família não fosse uma réplica do poder dos homens sobre mulheres? Talvez o tenha feito mais por atitudes inconscientes do que conscientes e o maior exemplo deve ter sido a relação de respeito que eles compartilhavam com os seus pais. Eles têm conhecimento de que antes de o conhecer, morei sozinha desde os 18 anos, era motociclista, viajava sozinha etc. Além disso, sabem que era 5 anos mais velha do que ele, que dirigi antes dele, que já tinha vida sexual quando o conheci, que tomei a iniciativa do namoro, que mantive contato com os meus amigos e alguns ex-namorados, que o pedi em casamento depois de 25 anos de relacionamento, que jamais permiti que ele controlasse as minhas iniciativa ou desse palpite na minhas roupas, que manifesto tudo o que me desagrada na relação, que dividimos as despesas, que conversamos e decidimos conjuntamente todas as coisa relativas à família, que nos admiramos, nos encorajamos e partilhamos projetos e sonhos. Entre as conscientes, destaco:


   

 Não permitimos que seu irmão a desrespeitasse;

    Validamos igualmente a fala e os sentimentos dos dois;

    Damos suporte aos planos e anseios de ambos;

   Começamos a dar mesadas a ambos desde cedo para que aprendessem a administrar algum recurso financeiro;

    Requisitamos ambos a assumirem as responsabilidades pelas tarefas domésticas;

    Permitimos que ela trouxesse seu namorado para dormir em seu quarto, do mesmo modo que fizemos

     quando ele quis trazer a namorada;




    No entanto, estou ciente de que ainda foi muito pouco e não só por responsabilidade do pai, mas minha também. Em meus pulmões resistem resíduos do machismo estrutural e vez ou outra me vejo falando ou tomando atitudes que demonstram o quanto o machismo persiste em mim como erva daninha a exigir capina diária. Talvez eles consigam dar uma educação feminista aos seus filhos... Não sei se conseguirão. Provavelmente não, se no caldo cultural persistir o amargor inerente à secular estrutura patriarcal, mas tenho o alento de que eles conseguirão ir além de mim e afinal é para isso que damos continuidade à raça. 


 



sexta-feira, 3 de março de 2023

PROJETO MEXERAM COM TODAS

 

MEXERAM COM TODAS

As mulheres são alvo de violências em todas as partes do planeta, seja na Síria, no Brasil ou no Sudão. O que muda então? Mudam a intensidade e a forma, mas a dura realidade de ser mulher em sociedades patriarcais não mudou ainda não.

Segundo a bíblia, o mundo foi feito por intermédio do verbo. As coisas começam a partir da palavra: pensamos com a palavras, sonhamos com palavras, desejamos com palavras, colocamos o desejo no mundo através da palavra e, só depois, o que era palavra se materializa em algo mais concreto do que ela. No entanto, a palavra pode ser veículo de utopias ou de distopias, de opressão ou de libertação. O projeto “MEXERAM COM TODAS” tem na palavra nas formas oral e escrita o seu instrumento transformador. Através dela visamos encorajar mulheres a tomar consciência dos acontecimentos em que foram desrespeitadas apenas por serem mulheres em um ambiente de machismo estrutural, para que a partir de seus relatos, possam buscar caminhos para trazer para o real a possibilidade de um mundo mais igualitário entre homens e mulheres.



Nesse sentido, em agosto de 2022, realizei a realização a oficina"Escrita Terapêutica para Revelar e Combater a Violência de Gênero", no III Encontro Nacional de Mulheres do SINASEFE, na cidade de Fortaleza.   Nela, convidei 40 mulheres a escreverem um relato de uma situação de violência que sofreram, misturei os textos sem identificação de autoria e os distribuí aleatoriamente. Cadastrei todas elas em um grupo no whatsapp de nome “Mexeram com todas” e pedi que nos enviassem áudios lendo os relatos recebidos. Desse modo, visava estimular a sororidade em todas nós.

Para que esses relatos nao ficassem restritos ao pequeno grupo e fossem ouvidos por pessoas de todos os gêneros iniciei a Etapa 2 do projeto "Mexeram com Todas". Assim, para marcar esse Mês da Mulher de 2023, de uma forma menos folclórica e mais reflexiva, em cada um dos seus 31 dias, um  relato está sendo divulgado sem identificação da autoria do texto nem da voz que o lê.    Penso que essa é uma boa iniciativa para marcar a necessidade de luta pelos direitos da mulher, tão ameaçados nos últimos anos, inclusive com o aumento do número de feminicídios.  Considero que, mais do que engrandecer a beleza e força femininas, é necessário que outras mulheres que sofreram ou sofrem abusos se fortaleçam para denunciá-los, deixando claro que a dor de uma de nós mobiliza a nossa dor, assim como a força de uma fortalece todas. Os podcasts com os relatos podem ser ouvidos no Spotify. Sua repercussão sinaliza que é preciso dar continuidade a ele, orientando novas oficinas e, com a permissão das participantes, tornando público os seus resultados. A quem considerar relevante a iniciativa, solicito que participem do projeto, seja enviando textos, gravando outros ou apenas divulgando o projeto.