EM DISPARADA
Ricardo Reis
Na infância, não tive calma, pois o tempo era uma noção desconhecida. Na juventude, queria engolir o mundo, como se o tempo futuro não existisse e o passado me envergonhasse. Na maturidade, vivi a ansiedade da preocupação com afazeres profissionais e familiares. Agora, já com mais de 55 anos, vejo o quanto essa falta me faz e como o tempo escorreu entre os meus dedos por não tê-los vivido inteira e sossegadamente. E é justamente nos anos que me esperam, que precisarei desenvolver essa difícil tarefa, porque a areia da ampulheta escorre e não há como impedir que o último grão caia afinal. Ainda será possível estabelecer outro tipo de vínculo?
Mestre, são plácidas Todas as horas Que nós perdemos, Se no perdê-las, Qual numa jarra, Nós pomos flores. Não há tristezas Nem alegrias Na nossa vida. Assim saibamos, Sábios incautos, Não a viver, Mas decorrê-la, Tranqüilos, plácidos, Lendo as crianças Por nossas mestras, E os olhos cheios De Natureza ... À beira-rio, À beira-estrada, Conforme calha, Sempre no mesmo Leve descanso De estar vivendo. O tempo passa, Não nos diz nada. Envelhecemos. Saibamos, quase Maliciosos, Sentir-nos ir. Não vale a pena Fazer um gesto. Não se resiste Ao deus atroz Que os próprios filhos Devora sempre. Colhamos flores. Molhemos leves As nossas mãos Nos rios calmos, Para aprendermos Calma também. Girassóis sempre Fitando o sol, Da vida iremos Tranqüilos, tendo Nem o remorso De ter vivido. |
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