Há cerca de 2
anos, passei a ter uma vermelhidão na esclera. Fiz uma longa peregrinação por
oftalmologistas e nenhum deles conseguiu prescrever um colírio, que solucionasse
o problema persistente por meses. Entre os medicamentos, cheguei a usar colírios
com corticóide mais de uma vez. Como havia um diagnóstico paralelo de
ressecamento do olho, resolvi fazer uma faxina geral no meu quarto, limpando
cuidadosamente os livros nas duas prateleiras próximas ao teto, nas estantes da
cabeceira da minha cama e doei os livros, que não me interessavam tanto. Assim,
resolvi o problema. Esse episódio exemplifica, o quanto temos hábito de ler e o
nosso apego aos livros.
Ao contrário
de João Ubaldo, não me recordo com tantos detalhes do meu contato inicial com a
leitura de palavras, nem tive tanto estímulo a entrar nesse fascinante mundo. Sinto
por isso, porque os exemplos dos pais são importantíssimos para os filhos, como
no relato da formação do escritor. Se eu tivesse sido
tão encorajada, teria um repertório mais rico e maior habilidade e competência tanto
para a leitura quanto para a escrita. Sei
apenas, que frequentei um seminário de música, antes de ser alfabetizada,
portanto tive contato com a linguagem musical, antes de aprender a linguagem
escrita, tão exigida nas escolas. Embora, nos anos 60, não houvesse tantos
livros voltados para as crianças, certamente, com o meu olhar infantil, eu lia as
imagens dos poucos textos a que tinha acesso, os signos, os ambientes e os
diálogos e gestos das pessoas, com as quais tinha contato.
Meus pais
tiveram pouca escolaridade. Meu pai não lia, mas recordo-me de minha mãe lendo romances
de Morris West. Mais tarde, ela comprou para nós, uma enciclopédia Delta Júnior
e as coleções completas de Machado de Assis e de José de Alencar. Na escola,
éramos obrigados a ler alguns livros (Vidas Secas, O Senhor do Engelho, As
Pupilas do Senhor Reitor, O Menino do Dedo Verde, Cazuza, Poliana etc), para a
produção de trabalhos escritos. Lembro-me que, ao contrário da maioria dos
colegas, ao longo da leitura, eu costumava sentir prazer nela e chegava a fazer
trabalhos para outros alunos, sempre com o cuidado de caprichar mais no meu!
Porque a irmã, um
ano mais nova do que eu, não se interessava tanto pelas atividades escolares, minha mãe me obrigava
a dar meus trabalhos, para que ela os copiasse no ano seguinte. Eu detestava
fazer isso, não porque tinha ideia de direitos autorais, mas porque os
considerava uma expressão singular só minha. Nas festividades da minha
adolescência, como as mensagens dos cartões impressos não traduziam os meus
sentimentos, passei a desenhar e escrever os meus, o que me dava certo orgulho
pela originalidade deles. Mantenho essa prática até hoje e as mensagens são
sempre recebidas com muita alegria.
Depois da
morte do meu pai, já com 17 anos, vim morar em Salvador e passei a ter contato
com um tio, com o qual estabeleci uma relação de muito amor. Ele era aficionado
por livros, possuía uma vasta biblioteca, costumava me indicar alguns autores.
Só agora, me dou conta de ter sido ele, quem mais me incentivou a ler. Em sua
casa, conheci alguns autores citados por João Ubaldo, como Swift, Alexandre Dumas
e Monteiro Lobato. Mais tarde, li George O’well, Remingway, Charles Dickens, o
argentino Manuel Puig, Moacir Scliar, os contos e o poema O Corvo de Edgar
Allan Poe em várias traduções, Ítalo Calvino, Fernando Moraes, Henfil, Eduardo Galeano, Rainer Maria Rilke, Ágatha
Christie, Nélida Piñon, entre outros. Porque as mitologias grega e latina
costumam me interessar, li dicionários sobre esses mitos e algumas adaptações
de Medéia, O Minotauro, Andrômeda etc
Tenho algumas
decepções em relação aos livros. Uma delas se dá, porque eu abandono aqueles,
cujos textos não conseguem captar logo a minha atenção e isso me faz doa-los.
Mas, quando outras pessoas insistem, que o livro é muito bom, fico arrependida
de tê-lo dado. Assim, como havia lido a peça Gota d’agua e gostei muito de
Budapeste de Chico Buarque, comprei um exemplar de O Leite Derramado. No
entanto, na primeira parte dele, a história da solidão do velho enfermo despertou
em mim enorme tristeza e eu o dei. Como acontece, depois de algum tempo, fique querendo
dar uma nova oportunidade a ele e não o possuía mais. Isso também poderá
acontecer com Lolita, do qual eu tinha dois exemplares e já me desfiz de um
deles. O caso mais grave foi, quando quis ter mais conhecimentos sobre Canudos
e comecei por ler Os Sertões. Como o início do livro continha longas
informações sobre relevo e sobre uma época histórica muito anterior ao
acontecimento, eu interrompi sua leitura, embora saiba da necessidade de situar
os fatos e o contexto, que levaram a esse movimento. Resolvi então ler A Guerra
do Fim do Mundo. O último, mais romanceado, eu li até o final, embora com muito
esforço, porque pouco foi narrado sobre a grandiosidade desse episódio da nossa
história, seus ideais e conquistas. Ao contrário, Antônio Conselheiro é descrito
como um lunático e todos os que o seguiram como fanáticos miseráveis. Alguns
livros como Grande Sertão: Veredas eu precisei fazer mais de uma tentativa de
ler. No entanto, ao final, fiquei maravilhada pela sua narrativa, pelos
neologismos criados e até extraí trechos, para mostrar aos amigos. Como de
hábito, depois de terminar a leitura do romance de Guimarães, fui ler sua
apresentação e me encantei com um maravilhoso texto manuscrito de Drummond, em
que ele exaltava o autor, usando uma linguagem similar à do livro. Essa leitura
despertou meu interesse em ler os contos de João G. Rosa, já que o conto é uma
tipologia textual, que aprecio bastante.
Possuo algumas
idiossincrasias associadas ao ato de ler. Não sei ir ao banheiro sem algum
livro, portanto nossa casa tem revistas ou livros em todos eles. Em algumas
vezes, em que estou lendo e a narrativa chegava a um ponto crucial, eu fecho o
livro, para poder me deliciar com ele no dia seguinte. Muitas vezes, livros
emprestados não são devolvidos, porque sequer ponho o meu nome neles. Acho um desleixo
o ato de escrever com caneta nas páginas dos livros. Por essa razão, eu
circundo com lápis o número daquelas, de que mais gosto ou, no máximo, faço
observações como “muito bom”, “excelente” e aponto com uma seta ou com “?”, as
palavras não estão escritas segundo o que eu conheço da norma padrão da língua
portuguesa. Quanto aos textos teóricos, cujo objetivo é estudar, prefiro sublinhar
com lápis e régua as partes, que resumem as principais ideias deles.
Nos últimos
anos, depois de um worshop com Elisa Lucinda, resgatei o meu antigo deleite por
poesias. Formamos um grupo, que recita poemas e eu passei a organizar uma
pequena biblioteca de poetas (Affonso Romano, Shakespeare, Adélia Prado, Myriam
Fraga, Cora Coralina, Kátia Borges, Florbela Espanca, Lorca, Mônica Menezes, Manoel
Bandeira, Emile Dickinson, Drummond, Paulo Leminski, Pablo Neruda, Ângela
Vilma, Cecília Meireles, Raul de Leoni, Martha Medeiros, Vinícius de Moraes, Antônio
Cícero, Paulo Andrade, Arnaldo Antunes, Bruno Tolentino, Mário Quintana, Fernando
Pessoa, Ricardo Reis, Ferreira Gullar, José Inácio Vieira de Mello, Ronaldo
Jacobina, Viviane Mosé, Karina Rabinovitz, Antônio Brasileiro, Ruth Rocha,
Roseana Murray, Lewis Carroll, Thiago de Mello, José Paulo Paes, Vladimir
Queiroz, Bruna Lombardi etc).
Meus
romancistas preferidos são: Gabriel Garcia Marques, Mário Vargas Llosa e o
português José Saramago. Contos de Eva Luna, de Isabel Allende, foi um dos
livros, de que mais gostei. Há nele um conto sobre uma mulher, que vendia
palavras nas feiras, que eu me recusei a contar fábulas e insisti em
apresenta-lo no final de um curso de contador de história. O último livro, que
me fascinou, foi Meus Desacontecimentos – a história da minha vida com as
palavra, da jornalista Eliane Brum. Eu já gostava de ler seus artigos, porém, após
ter relido esse pequeno e fascinante livro, cheguei à conclusão, de que gostaria,
imensamente, de tê-lo escrito.
Antes de
dormir, tenho o hábito de compartilhar com meu marido, os textos teóricos, cujos
temas penso lhe interessar, trechos de romance ou poesias. Esse hábito começou
no início do nosso relacionamento de quase 30 anos, mas, desde então, eu
preciso monitorá-lo, para que ele não comece a roncar logo no início da leitura
em voz alta. Assim, cada parte dos textos é intercala pela pergunta: “Está
acordado?”. Suponho, que ele considere essas leituras, como uma espécie de
canção de ninar para adultos. E é nesse
embalo, que as prateleiras sobre nossa cama voltam a se avolumar.
Esse detalhe de aproveitar seus trabalhos para mim é novidade mas não me furto a culpa dessa verdade já que minha área de prazer nunca se situou na leitura como você e sim no esporte, da qual me orgulho muito de ser sempre a nr 1 da família. Mas como não sou a versão também à leitura já terminei essa daqui e cumpri o seu desafio de ser uma pessoa que leu seu longo e maravilho texto. Como sempre esse blog é uma referencia do seu estado de espírito e lê-lo, logo agora cedo, tenho certeza que vai fazer meu dia correr bem bem. <3 <3<3
ResponderExcluirA versão não, aversa....
ResponderExcluirMaravilho não, maravilhoso