quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O DOENTE É O CULPADO


        No fim de semana passado, eu queria ter ido ao Largo da Igreja do Bonfim, onde estavam acontecendo várias atividades culturais em um evento voltado à prevenção do suicídio. Não sei se trata-se de uma iniciativa da Igreja Católica  ou se está associada ao denominado Setembro Amarelo , movimento de conscientização voltado ao problema que leva à morte 883 mil pessoas por ano, número maior do que os mortos em guerras, homicídios e desastres naturais. E não precisa ir muito longe: a cada 40 segundos, um brasileiro se suicida. 
      
          Possivelmente, por esse motivo, ouvi no rádio algumas matérias sobre o suicídio com membros do CVV (https://www.facebook.com/cvv141?fref=ts)*. A despeito das recentes declarações públicas de pessoas famosas e frequentes matérias sobre depressão, a sociedade parece continuar totalmente ignorante quanto ao tema.  E nada como a desinformação para afastar as pessoas daquilo que desconhecem e aprofundar seus pré-equivocados-conceitos. Nessas entrevistas, alguns dos reiterados mitos foram enfatizados:

        "Quem ameaça se suicidar, não comete o ato." Os especialistas dizem que, antes de cometer o suicídio, o doente faz vários avisos indireta e diretamente. Há dados afirmando que 75% deles avisaram antes. 

        "Se as estatísticas fossem mostradas, provocariam novos tentativas." O silêncio só faz com que as pessoas não se deem conta do quão grave é o problema e do quanto ele vem crescendo nos últimos anos;

        Nas reportagens, o que mais me chamou a atenção foi o questionamento de uma das  estudiosas entrevistadas: "Por que não se pergunta ao depressivos sobre a sua dor?"

        De fato, poucos perguntam sobre o que sentimos. Lembrei-me de que muitas pessoas, quando nos veem depressivas, fingem não notar, mas comunicam com o olhar. Pior é quando percebemos que sentem pena. Em alguns dos encontros, aos quais eu ia mesmo sem vontade, o meu desejo era ser invisível.  No meu caso, talvez não respondesse à pergunta, porque, embora não me esquive a falar sobre isso, falar mesmo com profissionais não foi solução apesar dos 40 anos de terapia. Na depressão, conviver dói. Houve dias em que eu só me movimentei para fazer uma única refeição, depois de longa insistência de marido e filhos e no ambiente mais seguro de todos- a nossa casa.

        A pergunta é respondida pela especialista do seguinte modo: "As pessoas não perguntam, porque os depressivos irão lhes falar dos males do viver. E elas não querem ouvir sobre isso." Concordo com ela. As pessoas podem não possuir a doença, mas padecem dos mesmos males inerentes ao espaço e tempo da pessoa deprimida. Apenas os sentem com intensidade diferente. Não desejam refletir sobre isso, mudar isso. Para elas, é melhor fingir que não os percebem, não podem e nem devem mudar a vida que levam. Não acho que estejam todos felizes com suas vidas, mas devem dispor de mais recursos físicos, emocionais e psíquicos para lidar com suas mazelas e vão tocando.

           De experiência, eu posso assegurar mais alguns mitos:

        "Remédios e terapia são suficientes para a convivência com a doença." Eis um mito difundido em reportagens de jornais e revistas. Reitero que eles são necessários, mas estão longe de serem suficientes. Além deles, é imprescindível o apoio familiar e a busca de outros tipos de terapêuticas, dentre as quais eu destacaria a acupuntura. Exercícios físicos diários, atividades manuais e o resgate dos hobbies preferidos também são de grande ajuda.

        "Ao não tomar os medicamentos, os doentes estão, consciente ou inconscientemente, boicotando a cura." Esse é um mito que os próprios médicos e terapeutas têm. No entanto, a depressão nos deixa em um estado de tamanho desânimo que o simples atos de se levantar, pegar cápsula e água e engolir ambos, nos parece um esforço hercúleo, portanto esse comportamente é mais uma das consequência da doença;

       Recentemente, em um grupo de desenvolvimento, caí na besteira de declarar que tinha depressão. Pela observação que já faço sobre as pessoas, receei fazê-lo na presença de uma das participantes. Sabia que ela não iria dar muita atenção a essa bobagem. Eu não estava enganada. No primeiro aborrecimento que tivemos, ela me ofendeu usando uma das frases clássicas:



"Depressão é frescura."

"Os depressivos adoram se fazer de coitadinhos."

"Quem tenta se suicidar quer chamar a atenção."

"Os suicidas são uns fracos"

         Na primeira oportunidade que têm, as pessoas jogam a pedra do preconceito em nós. Não é a primeira vez em que isso me acontece, mas sempre sou surpreendida, quando sinto, rente à cabeça, o vácuo do recente lançamento. A depressão é usada para nos ofender no âmago da alma, que é onde ela nos ataca. Em alguns desses momentos, meu mais profundo desejo é que contraiam a doença, embora saiba que não sentiriam o que sinto, porque quando ela é contraída em razão de algum problema não tem a mesma gravidade daquela fortemente marcada pela hereditariedade, com a qual se convive por toda uma vida. Assim talvez perdessem em arrogância e ganhassem em compaixão. 

        Essa doença tem a peculiaridade de ser a única que, além de precisar conviver com todos os sintomas e limites no tratamento, o enfermo é considerado culpado por possuí-la. 

* O CVV de Salvador funciona em Nazaré e atende 24 pelo telefone 3322-4111

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