domingo, 27 de setembro de 2015

NEM CANTOR, NEM COMUNICADOR, NEM HUMANISTA, UM SURFISTA


Acordei 6h, com um enorme sentimento de gratidão, mas ainda sem saber o porquê. Vi que o dia estava lindo, olhei para o marido dormindo e me lembrei que era aniversário dele, do meu menino, meu leãozinho, meu rei sol.  Ciro Coqueiro​ faz 22 anos hoje. Ciro filosofa como eu, mas é ponderado como o pai. Como a mãe, é extrovertido, porém tem um toque de educação e reserva. (desenvolveu mais a empatia). Ele é o homem que mais me provoca e tira do sério. Por outro lado, ele me encanta e prova que a sensibilidade, além de não ser característica exclusiva das mulheres, pode ser, cotidianamente, expressa por todos. Ciro é um cantor, um comunicador e um humanista. No início do curso de Engenharia Mecatrônica eu lhe perguntei: "Meu filho, você está feliz nesse curso? Você é mesmo um engenheiro? Você não é um cantor, um comunicador, um humanista?" Ele me respondeu: "Ah, mãe. Eu gosto mesmo é de pegar a minha prancha e ir pra praia."  Eu dei uma gargalhada. No entanto, só fiquei mais tranquila quando, ao contar a nossa vizinha, Bela, uma engenheira ambiental, ela retrucou: "Minha tia, não é na engenharia que estamos precisando mais de humanistas?" Eis a  anatomia de Ciro, como o vejo através do meu Raio "M":





UM CANTOR
Desde pequeno, as pessoas notavam o quanto Ciro era entoado. Tem um talento especial para o canto. Por dois anos foi o aluno escolhido para subir ao palco e representar as músicas premiadas do Festival de Música e Matemática dos Maristas. Essa habilidade provoca em mim um mix de raiva, inveja, admiração e orgulho.  Raiva, porque ele nem liga para o talento, inveja de não o possuir eu mesma, admiração porque é um talento que considero fabuloso e orgulho de que ele o possui, é ciente dele e isso pode nos aproximar um dia. Antigamente, ele vivia dizendo que eu não tinha ritmo, agora já não repete essa punhalada nas minha costas, mas ainda não me chama para um dueto. Adorei o dia em que ele chegou dizendo que o show do Teatro Mágico era a minha cara. Ale Carvalho também tinha me dito que eu iria amar.   Estou aguardando ansiosa o dia em que iremos juntos assistir ao show do grupo junto com o Scambo, cujas músicas ele fica me mostrando.

UM COMUNICADOR
Quando era pequeno, ele ficava no elevador com a cabeça para cima olhando para as pessoas. Elas eram obrigadas a falar com ele e quando saiam do elevador sem lhe dizer nenhuma palavra, ele falava: "tchau!"
Há 3 anos ele saiu dos Maristas, mas não passo pelo portão da escola sem que os porteiros perguntem por ele. Ainda essa semana Paulo foi abordado por um garoto que perguntou: "Você é pai de Ciro, né?".

UM HUMANISTA
Ciro é um humanista, sem deixar de fazer um esforço para ver o ponto de vista de quem é mais autocentrado. Na escola, tinha uma comunicação muito estreita com os professores mais preparados para o ofício, aqueles que não se limitavam ao conhecimento da disciplina pois cultivavam e provocavam maiores reflexões de ordem política e social (Shanti, Daiane, Isaque etc). Ciro sempre está nos provocando momentos de discussão filosófica e eu, uma filha da ditadura militar, amo ter essa oportunidade. Até hoje, guardo os seus livros de sociologia e filosofia em minha cabeceira.  Ele sempre promete assistir comigo aos vídeos que tenho curtido com pensadores como Viviane Mosé, Leonardo Boff, Márcia Tiburi, Flávio Gikovate, Mário Sérgio Cortela, Leandro Karnal etc . O problema é que ele tem um mantra: "AMANHÃ". Esse é um dos defeitos de Ciro, mas esse não é um texto para dissecá-los.  No entanto, o tempo passa galopando (ele já tem mais de 20 anos) e é preciso alertá-lo que o amanhã acaba fugindo entre a crina desse cavalo alado. De que modo? Poeticamente:

ADIAMENTO

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas em um edital...
Mas por um edital de amanhã
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...

Sim, o porvir...”

Fernando Pessoa, em Tabacaria e Outros Poemas 

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