

UM CANTOR
UM COMUNICADOR

Há 3 anos ele saiu dos Maristas, mas não passo pelo portão da escola sem que os porteiros perguntem por ele. Ainda essa semana Paulo foi abordado por um garoto que perguntou: "Você é pai de Ciro, né?".
Ciro é um humanista, sem deixar de fazer um esforço para ver o ponto de vista de quem é mais autocentrado. Na escola, tinha uma comunicação muito estreita com os professores mais preparados para o ofício, aqueles que não se limitavam ao conhecimento da disciplina pois cultivavam e provocavam maiores reflexões de ordem política e social (Shanti, Daiane, Isaque etc). Ciro sempre está nos provocando momentos de discussão filosófica e eu, uma filha da ditadura militar, amo ter essa oportunidade. Até hoje, guardo os seus livros de sociologia e filosofia em minha cabeceira. Ele sempre promete assistir comigo aos vídeos que tenho curtido com pensadores como Viviane Mosé, Leonardo Boff, Márcia Tiburi, Flávio Gikovate, Mário Sérgio Cortela, Leandro Karnal etc . O problema é que ele tem um mantra: "AMANHÃ". Esse é um dos defeitos de Ciro, mas esse não é um texto para dissecá-los. No entanto, o tempo passa galopando (ele já tem mais de 20 anos) e é preciso alertá-lo que o amanhã acaba fugindo entre a crina desse cavalo alado. De que modo? Poeticamente:
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas em um edital...
Mas por um edital de amanhã
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...”
Fernando Pessoa, em Tabacaria e Outros Poemas
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