sexta-feira, 1 de agosto de 2014

SOMOS MÍOPES: EU, ELA E TODOS NÓS.

Primeiro, eu chorei, como sempre faço. Chorei muito por nós duas, por todos nós. Depois, entre lágrimas,eu falei dela aos amigos ainda e mais uma vez. Mais tarde eu sonhei com ela. E foi na manhã do dia seguinte, que ela me surpreendeu com um inesperado telefonema. Mais inusitado eram o tom doce de sua voz e o conteúdo da mensagem: "disse que me amava, confirmou ser eu a sua filha predileta e revelou ter ligado para me dar apoio na "minha" doença. Eu lhe respondi: "estou bem, cuide de si!" Acrescentei:  "doente todos somos, cuide de se ver mais e melhor." Eu juro que tentei. Esforcei-me para que o meu modo fosse tranquilo ao lhe dizer que eu sabia: sabia que ela sofria, que muito valia e nos vigiava à distância como sempre fez. Fiz um esforço para lhe lembrar da própria força, criatividade e inteligência. Agradeci pela educação que nos deu e lhe perguntei por que não se presenteara com iguais oportunidades. No entanto, na sua miopia, ela nada ouvia. Suas crenças a cegavam.  e a cada vez e mais fortemente, ela se ofendia com minhas palavras. Então eu falei e eu mesma respondi:  "Sabe o porquê de eu fiquei doente? Para quê fiquei pendulando entre sentimentos bipolares? Eu fiquei doente para que você viesse em meu socorro!" 

Queria lhe falar palavras de amor e perdão. Pedir, por favor. Falar calma e bem baixinho. Conversar no ouvido, ensinar como professora, como uma excelente professora primária que sabe estar lidando com uma criança pequenina e indefesa. Como alguém cuja tarefa é confiar em que o adulto que orienta, despontará, um dia, como o seu melhor legado, busca energias para o ajudar a se constituir, oferecendo-lhe o tesouro da sua dedicação.

Não, consegui não! Ao menos, no meu tom de voz, tirei nota baixa na prova, digo, na provação!E eu gritei a minha dor sufocada. Ou gritei as verdades, as minhas, que calei por inumeráveis anos da minha própria infância e adolescência. E como acontece sempre, terminei a aula com uma sensação de vazio, incompetência e incompreensão. Chorei por não ter sido vista oferecendo o que havia de melhor dentro de mim (ao menos aquilo que de melhor eu podia acessar naquele momento que foi a manhã de ontem). Tinha a consciência de estar acessando o que fui capaz de descobrir de bondade em mim, de que utilizava todos os meus conhecimentos de uma prática de 26 anos na educação de jovens adolescentes, de estar me conectando com as reflexões que tenho feito por longos 40 anos em divãs de terapeutas de diversas correntes da Psicologia, de encarar de frente a nossa semelhança física e em temperamento. No entanto, os meus sentimentos falaram muito mais alto. Minha emoção correu na contramão da minha intenção... Eu conversei com ela através do meu olhar estrábico e ela me ouviu pelo seu olhar míope.

MAS EU SEI, EU SEI QUE: 

A) SE NÃO REVESTI A MINHA VOZ DA MELHOR TONALIDADE AVELUDADA, SE NÃO FIZ O MEU DISCURSO USANDO A MELHOR ORATÓRIA E SE NÃO ESCREVO AGORA COM AS REGRAS MAIS PERFEITAS DA NORMA CULTA... É PORQUE, PURA E SIMPLESMENTE, EU NÃO APRENDI, EU NÃO SEI;

B) SE NÃO FUI CLARA E TRANSPARENTE COMO O FILÓ NO QUAL ELA BORDOU O MEU VESTIDO DE 15 ANOS, É PORQUE MAIS CLAREZA ME FALTA PARA ENFRENTAR AS MINHAS DORES E ADMITIR QUE AS DELA DEVEM TER SIDO MAIORES DO QUE AS MINHAS;

C) SE DESENHEI COISAS DO PASSADO QUE JÁ DEVERIAM TER SIDO APAGADAS DA MINHA MEMÓRIA, É PORQUE ESSES GRILHÕES AINDA PRENDEM OS PÉS E MÃOS DA ESCRAVA FUGITIVA QUE FUI;

D) SE, ENFIM, NÃO PUDE SER A SUA MÃE, É PORQUE SUA FILHA EU SOU!

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