Na noite de ontem foi inaugurado oficialmente, no Icep Nise
da Silveira localizado no bairro do Rio Vermelho, o Espaço Cultural Nise da
Silveira que pretende ser um local de diálogo entre estudiosos das diversas
áreas do conhecimento. Como preconizava
a médica que o inspirou e dá nome, trata-se de um espaço de convivência, estudo
e pesquisa que visa contribuir para a saúde dos cidadãos em geral e para as
pessoas em estado de sofrimento mental de um modo particular. A abertura se
iniciou com a exposição fotográfica de título "mulher (es)" de autoria de Paulo Coqueiro na qual 15 mulheres
foram retratadas em dois momentos (antes e depois de um trabalho sobre
autoimagem e bem estar emocional),
seguida por uma mesa redonda tendo
Cidadania como tema com a participação da psiquiatra Denise Stefan , da
advogada Ana Paula e o engenheiro Osvaldo Campos. Logo depois, houve um
coquetel com arte no qual Vera Passos apresentou um pequeno recital com poemas*
de mulheres brasileiras da atualidade e a contadora de histórias, Zidi Brandão,
realizou o seu solo. O auditório estava repleto e o evento cumpriu o objetivo
de comemorar os 15 anos de atividades do Instituto de Convivência, Estudo e
Pesquisa Nise da Silveira.
A grosso modo podemos dizer que as poesias versam sobre: o
mistério da mulher, a mulher e seus problemas, a mulher em transformação
buscando a própria identidade, a mulher que se aceita e acolhe, a realização da
mulher em todas as fases de sua vida e um registro das mulheres que habitam
cada mulher.
Os poemas foram transcritos abaixo:
A
ESFINGE
Myriam Fraga
Revesti-me
de mistério
Por
ser frágil,
Pois
bem sei que decifrar-me
É
destruir-me.
No
fundo, não me importa
O
enigma que proponho.
Por
ser mulher e pássaro
E
leoa,
Tendo
forjado em aço
As
minhas garras,
É
que se espantam
E
se apavoram.
Não
me exalto
Sei
que virá o dia das respostas
E
profetizo-me clara e desarmada.
E
por saber que a morte
É
a última chave,
Adivinho-me
nas vítimas que estraçalho.
Fonte: FRAGA, Myriam Poesia Reunida Salvador,
Academia de Letras da Bahia, 2008
CONSELHO
Karina
Rabinovitz
não
adianta, moça,
ficar assim tão cabisbaixa,
cultivar pensamentos tão esquisitos,
cada hora
uma dor
e uma culpa e um medo;
a vida são mesmo esses conflitos.
deixe o ego e o drama de lado,
não estacione nas caretas.
o mundo é dos elefantes
e das borboletas.
Fonte: RABINOVITZ,
Karina Livro do Quase Invisível. Salvador,
Cartas Baiana – P55 Edições, 2010
AULA DE DESENHO
Maria Esther Maciel
Estou lá onde me
invento e me faço:
De giz é meu traço. De aço, o papel.
Esboço uma face a régua e compasso:
É falsa. Desfaço o que fiz.
Retraço o retrato. Evoco o abstrato
Faço da sombra minha raiz.
Farta de mim, afasto-me
e constato: na arte ou na vida,
em carne, osso, lápis ou giz
onde estou não é sempre
e o que sou é por um triz.
Fonte: MACIEL, Maria Esther , Triz Minas Gerais
ADOÇÃO
Elisa Lucinda
Não
sei se te contei
mas
há algum tempo sou minha
me
adquiri num mercado
onde
o escambo era da posse pela liberdade
me
obtive numa dessas voltas da morte
me
acolhi num desses retornos do inferno.
Dei
banho, abrigo, roupas, amor enfim.
Adotei
o meu mim
Como
quem se demarca e crava em si o mastro de terra à vista
A
cheiro, a tato, a paladar e ouvido.
Não
sei se te contei
me
recebi à porta da minha casa
Abracei,
mandei sentar
Abracei
eu mesma, destranquei a porta
que
é preu sempre poder voltar.
Dei
apenas o céu à sua legítima gaivota
Somos
a sociedade
e
ao mesmo tempo a cota
Visita
e anfitriã
moram
agora num mesmo elemento
juntas
se ancoram
Na
viagem das eras
No
novelo do umbigo
No
embrião do centro
No
colo do tempo.
Fonte: LUCINDA, Elisa O Semelhante, Rio de Janeiro, Ed. Record, 2000
Martha Medeiros
"Quando
chegar aos 30
serei uma mulher de verdade
nem Amélia num ninguém
um belo futuro pela frente
e um pouco mais de calma talvez
e quando chegar aos 50
serei livre, linda e forte
terei gente boa ao lado
saberei um pouco mais do amor
e da vida quem sabe
e quando chegar aos 90
já sem força, sem futuro, sem idade
vou fazer uma festa de prazer
convidar todos que amei
Registrar
tudo que sei
e morrer de saudade."
Fonte: MEDEIROS,
Martha Poesia Reunida, Porto Alegre, L&PM, 1999
A
FOTOGRAFIA
Ângela Vilma
Sentada
na cadeira
As
pernas cruzadas
Mãos
pousadas na saia.
A
blusa preta escondendo
A
verdade da fotografia:
Era
vermelha, ela sabia.
Ela
sabia de tanta coisa!
(e
nem sequer imaginava)
Seu
sorriso acompanhava
O ritual da fotografia.
Fonte: VILMA,
Ângela Poemas para Antônio Salvador, Cartas Baiana – P55 Edições, 2010