quinta-feira, 3 de junho de 2010

DE VOLTA À FONTE

De sua fonte, recebi o meu umbigo enroscado com os umbigos dos meus dois irmãos. Como sempre, me fiz de forte, inventei piada, deixei o pacote com fotos dos nossos filhos, documentos, xingamentos e pequenos bilhetes da infância sobre a estante e fui viver a vida pacata como se nada me abalasse. Adiei a sessão em que desfaria o laço, abriria o despacho, passaria cada página do passado, revelando seus significados no fundo d'alma e buscando dar-lhes novos.


Mas o correio da vida continuou a me enviar seus recados até que a última gota do líquido amniótico fez cair o pacote sobre a minha cabeça. E a dor foi tão forte e funda que me pôs em posição fetal sobre a cama no escuro do quarto. Era só o desespero e a falta de coragem para respirar a vida. Não queria buscar ajuda de médico, anestésico, apenas negar o momento ou encontrar explicação racional em fato próximo que justificasse a letargia, o cansaço.



Bastou apenas um passo e outros braços deram força para transformar o pacote em presente resignificando cada um de seus itens. Não vou ser mais o baú da família: estou entregando a cada um, a parte que lhe cabe. As imagens das crianças foram incorporadas aos álbuns de família. Os umbigos serão enterrados em um ritual com os quatro elementos. Sobre a terra será plantado um girassol – a planta da vida - cuja semente será selecionada e doada por uma prima bióloga. Enquanto o vento marinho soprar sobre essa terra, o sol vai orientar o florescer dessa pequena muda que regarei com a água, para que purifique os caminhos de todos.

“Mas existe também a coincidência de amor. Os dias em que o amor transita e é nosso. Minhas palavras pousam o sol sobre tua pele. E o teu sorrido desmancha o frio e os segredos. É uma estação de brilho, tempo de dar atenção ao desfile de flores e alguns sons que agradam. Tempo de ativar as matérias de sonho. O calendário nos deu esta primavera e faz das noites, noites de inverno. Para que o frio convide os corpos ao aconchego. E que haja cores outonais, festival de folhas aos nossos pés. Cobertura de arte, no caminho que percorremos juntos. Existe o tempo em que o amor é fruto. A terra nos abriga. Existe o tempo em que o amor nos inventa. E pousa as mãos de vida sobre nós.”
(Pétalas, trecho extraído do livro FÁBULAS DELICADAS de Eliana Mara Chiossi -Ed. Escrituras)

Um comentário:

  1. Temos uma FONTE inesgotável de surpresas! Agradáveis ou desagradáveis, ela sempre nos surpreende com novidades nunca dantes mencionadas!
    Quando deveria ser uma FONTE de luz e sabedoria, tornou-se FONTE de sombras e desencantos e que ainda tem o poder de puxar o tapete das nossas emoções, desencravar sentimentos antigos e revirar terras batidas, mas acima de tudo e apesar de tudo nos fortalecer e unir em prol de uma UNIÃO TRILATERAL! Vl+VR+MJ Unidos jamais seremos vencidos!!

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