domingo, 29 de outubro de 2017

SERVIDOR INATIVO: INVISÌVEL, INDESEJADO E SUSPEITO

Quando uma colega nos disse que, no final do seu processo de aposentadoria da única escola onde ensinara, ouvira no setor de pessoal "Agora professora, a senhora só precisa vir aqui uma vez por ano para provar que está viva", não apenas corri a convocar as pessoas de Linguagens para lhe fazermos uma merecida festa de despedida, como prometi a mim mesma que eu  faria a minha antes de sair. Não tive energia para organizar a festa, preocupada que estava com a realidade que me esperava e tinha razão nisso. 

É incrível o número de vezes em que ouvi relatos dos colegas aposentados sobre o estranhamento e tristeza, quando retornavam ao IFBa. Confiante de que isso não aconteceria comigo, assim que me aposentei, aceitei entrar para o único cargo que assumi: Coordenadora de Cultura da Sessão Bahia do SINASEFE. Não adiantou. O sentimento também chegou até mim e tive a mesma atitude de afastamento do ambiente no qual trabalhei por 25 anos. O horror não é só o fato de que não há qualquer interesse de nos fazer participar das atividades do instituto, ainda que esporadicamente, de não sermos lembrados enquanto colegas ou valorizada a nossa contribuição como profissionais, é nos matarem simbolicamente antes do tempo. Na hora de estabelecer procedimentos, somos esquecidos, mesmo considerando sermos numericamente bem mais representativos do que os ativos. As condições de dificuldades físicas de alguns de nós também não importam, pois os funcionários da ativa podem acessar os sistemas diretamente dos compu'tadores com que trabalham, enquanto nós temos que ir à instituição dar entrada nos processos e acompanhá-los quantas vezes forem necessárias. 
                                       

Na sexta, eu precisei ir á Reitoria para dar entrada em alguns processos e tentar reaver valores devidos por não seguir os burocráticos trâmites exigidos. O fato de haver uma festa em comemoração ao Dia do Servidor, e eu não ter sido convidada ou informada de que alguns setores estariam fechados em razão dela, foi irônico. Há 6 meses não estou recebendo o valor referente a um ajuda para pagamento do plano de saúde. Vale ressaltar que esse valor corresponde a 15% daquele que desembolso. Para o receber eu precisava enviar mensalmente um comprovante em data anterior ao fechamento da folha sob o risco de receber, sem qualquer correção, alguns meses depois ou ficar em Pagamentos de Exercícios Anteriores que corresponde a um certo limbo financeiro. 

A quinta pessoa que consultei me assegurou que o sistema que eu procurava não me era permitido acessar porque eu era uma servidora inativa e justificou isso dizendo que caso o aposentado tivesse acesso a ele, poderia ver a listagem dos processos. Quando ele me mostrou a listagem dando um clique, achando que estava entendendo mal a sua informação, eu lhe perguntei se todos os servidores ativos tinham acesso à listagem, ao que ele prontamente respondeu: "Sim!" Depois de sentir vontade de chorar eu disse: "Então, após ter ensinado nessa instituição por tanto tempo, ganhei o título de suspeita?"  Todos que acham isso natural se aposentarão e, pelo andar da carruagem, em condições bem piores! A festa será apenas para os ativos.


                                          Imagem da Festa do Servidor na Reitoria do Ifba 

                                     

Quanto a mim, ainda preciso agradecer, porque dirijo, sou de uma geração que conviveu com os recursos informáticos e ainda possuo condições de pleitear meus direitos e fazer denúncias. Nem posso imaginar o quanto têm perdido aqueles em situação pior.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

OUSADA, DIVERSA E VELOZ

Ousada, múltipla e veloz são adjetivos que me definem bem. A ousadia e a pressa eu descobri muito cedo. O natureza múltipla, um pouco mais tarde. Era professora de matemática e lembro-me bastante: eu estava em um salão de beleza, próximo ao antigo Horto Florestal do Salvador, quando li na revista Nova, que Ruth Rocha começou a publicar aos 45. Como eu tinha cerca de trinta anos, imediatamente, pensei: "ainda dá tempo pra mim".

Em 2009, comecei a publicar neste blog. Desde então, através de concursos, foram publicados alguns contos e crônicas, mas nunca pensei escrever poesia. O local em que ela estava era de difícil acesso . À minha volta não havia um bote capaz de me permitir acesso à ilha encantada de R. L. Stevenson. 

Ao contrário de me enveredar pelos embates entre os que defendem a escrita como inspiração divina e os que enfatizam o labor envolvido nessa tarefa, prefiro me agarrar à âncora da certeza de que podemos desenvolver inumeráveis e impensados talentos, se oportunidade, incentivo e disposição para isso tivermos. Afinal, jamais saberei se Allan Poe realmente produziu o seu poema do modo racional como descreve na "Teoria da Composição" ou se este texto é um embuste dirigido aos menos agraciados com dons literários.  

Depois de aposentada, voltei à Universidade Federal da Bahia, movida pelo desejo de respirar o ar de diversidade e vida que só uma universidade pública é capaz de exalar. Escolhi fazer o curso mais inovador dela: o Bacharelado Interdisciplinar em Artes. Já andava envolvida em atividades de cunho artístico: poesia falada, canto coral, contação de história, artesanato etc. Meu principal alvo era ir para a área de concentração Escrita Criativa e escrever não mais empírica e  isoladamente, mas através do estudo sistemático dos processos de criação dos grandes mestres e das técnicas já organizadas para esse fim.

                                                         
O Bacharelado Interdisciplinar é um curso muito interessante para abrir novos olhares para quem tem tendência a uma visão muito estrita do conhecimento, mas pode dispersar pessoas como eu que, ao contrário, têm interesse em conteúdos de diversas áreas. Assim, até agora, já no quinto semestre, ainda não entrei na área de concentração. No entanto, a única disciplina de Criação Literária que cursei, semestre passado, me fez crer que é possível escrever a MINHA poesia. E isso me deixou tão surpresa e feliz, que quero partilhar esses sentimentos com outros. É ousadia, sem dúvida. Sem pressa e ousadia não seria eu. Há 13 anos, já passei do limite de publicação de Ruth Rocha,  e não sou tão otimista quanto Cora Coralina.  Jamais esperaria até os 75 anos, mesmo se tivesse a certeza de que chegaria lá e produziria textos elogiados por Drummond


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

DANÇANDO NOS EMBALOS DA VIDA

Uma das competências mais importantes exigidas pela contemporaneidade é a flexibilidade. A vida sempre foi dinâmica, a nossa percepção disso é que não era tão clara. Nos dias atuais, a velocidade com que os seus processos estão se dando é assombrosa. Se não desenvolvemos uma atitude adaptativa de perceber seus ritmos, suas tendências e tentar ajustar nossas formas de pensar e agir segundo esses seus aspectos, ficamos ainda mais atordoados. Os modelos que o ocidente estabeleceu para compreender os processos dinâmicos da realidade têm se provado muito limitados na compreensão dela. Paradoxalmente, descobertas do campo das ciências exatas impõem mudanças de paradigma na nossa compreensão do mundo e reforçam o que as demais áreas do conhecimento já apontavam: a natureza orgânica e dinâmica dos processos. Assim, é justificável que a obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido neste ano, venha sendo tão estudada. Bauman cunhou o termo "modernidade líquida" para definir esse tempo. Utilizou a metáfora do "líquido" ou da fluidez como o principal estado dessas substancias.  O líquido é flexível, sofre constante mudança e não conserva sua forma, mas se adapta à forma do recipiente que o contém.

Em meu universo particular, desenvolvi uma rigidez como meio de proteção para sobreviver a várias situações desestruturantes. Mas, o problema é que quando esse comportamento já não era necessário, a mudança de hábito não foi fácil. Essa rigidez me fez me afastar de quase tudo o que se associasse ao meu passado remoto, a minha família original e à cidade onde nasci. Hoje, retorno à vida social de Feira de Santana, na intenção de observar, quem me deixou lembranças positivas, que marcas deixei naqueles com quem convivi, que laços foram importantes naquela época, quais merecem ser estabelecidos agora etc.
                                         

A festa Dance Comigo,  no antigo Clube de Campo Cajueiro que tanto frequentei durante a juventude, realizada por Therezza Carvalho, minha prima,  Hilda Marques, amiga de infância, e Hélvia Simóes  que tive o prazer de conhecer, foi um momento privilegiado nesse processo de resignificação. Acho que fui uma das primeiras a comprar convites. No entanto, fui surpreendida pelo fato de que poucas das pessoas com as quais tenho mantido contato, a exemplo das colegas do Colégio Padre Ovídio, que se reencontraram há 4 anos, não estavam lá. Determinada a seguir o fluxo, observar a onda, como diz o meu filho surfista, Ciro Coqueiro,  pude aprender um pouco mais sobre  a capacidade do bambu de se vergar sem se quebrar. 

Como exemplo de que a arte costuma se antecipar aos estudos científicos, muito antes de Bauman, em 1945. a poeta Cecília Meireles lançou o seu livro "Mar Absoluto" que contém o poema  "Desenho":

"(...) Levai-me onde quiserdes! 
- aprendi com as primaveras 
a deixar-me cortar 
e voltar sempre inteira" 

Até as 3h da madrugada do dia 1o., foi exatanente isso o que fiz, dancei no ritmo dos embalos da noite de sábado, os sucessos dos anos 70/80!