quinta-feira, 14 de julho de 2016

EU NÂO ACREDITO EM VOCAÇÃO!


Houve um tempo em que invejei as pessoas por garantirem ter nascido para determinado caminho profissional. Imaginava a tranquilidade que deviam possuir pela ausência de dúvidas em relação a essa decisão tão importante para a nossa felicidade que, em geral, é feita muito precocemente. Apesar disso, desconfiava da autenticidade infantil em poder responder à clássica pergunta: O que você quer ser quando crescer?

     O fato é que descobri muitas coisas no meu percurso profissional. Não fui uma excelente aluna, mas costumava ser aprovada sem recuperações. No entanto, no chamado colegial, a Matemática começou a ser o meu calo. Fui encaminhada por minha mãe para um teste vocacional no ano do vestibular. Perguntaram-me as disciplinas de que eu mais gostava. Claro que respondi serem Português e Inglês. Depois de vários exercícios e as tais leituras de confusos borrões, o veredito foi o mais óbvio: você não tem talento para a área de Ciências Exatas e sim para a de Humanas. Eu me inscrevi para Psicologia. Foi uma decepção para a minha mãe. Desde cedo, ela me ensinara a dizer que eu queria ser uma médica pediatra. E eu incorporei esse “desejo”. Até tenho isso escrito em um trabalho escolar. Mas, quando vieram os grandes conflitos familiares, achei que fazer psicologia poderia me fazer entendê-los, resolvê-los e apaziguar o meu coração angustiado.

     Perdi o vestibular e vim morar em Salvador para fazer cursinho pré-vestibular. Durante o curso, fui aluna do prof. Pádua e tive a oportunidade de reaprender todos os conteúdos de inicias da Matemática. Motivada e bem orientada, passei a ficar fascinada e me sentir poderosa por compreender aquela fascinante linguagem. Porém, ainda insegura em mergulhar ao fundo na disciplina, uni o meu gosto pelo desenho com os números e passei em Arquitetura. Não deu outra, no segundo ano, eu já tinha eliminado as principais disciplinas de Matemática e tropeçava nas mais importantes de Arquitetura. Assim, fiz novo vestibular para Licenciatura em Matemática. Ao terminar o curso, por conhecer pouco do seu vasto universo, prossegui meus estudos até concluir o Bacharelado. Paralelamente, sempre estudava línguas, chegando a me formar em Inglês e Francês. Ensinei matemática por cerca de 15 anos e então, resolvi retomar a minha antiga paixão: a magia das palavras. Aos 34 anos, fiz novo vestibular para Letras. Passei a lecionar Inglês, ainda meio arrependida por não ter feito Letras Vernáculas.

     Hoje, tenho a plena convicção de que eu teria dado uma excelente psicóloga (e algumas pessoas me garantem isso), uma boa advogada, comunicadora ou até arquiteta. Para mim, temos infinitos talentos e raras oportunidades de desenvolvê-los. A escola deveria ser esse laboratório permanente, contudo, ao contrário, restringe as opções e enquadra seus alunos do mesmo modo que os testes vocacionais o faziam. Uma única vida talvez não seja o bastante para desenvolvermos todos os nossos talentos, em especial porque alguns deles demandam mais tempo de descoberta e prática e outros nos parecem mais evidentes e fáceis. Portanto, não engulo as clássica frases de quem diz não ter jeito para a Matemática ou não gostar de Português porque odeia ler. Ao contrário, conto-lhe a minha história para lhe provar o contrário e encorajar a seguir inusitadas trilhas. Também não considero que seja exclusivo  da Matemática o poder de desenvolver o raciocínio lógico. Todas as disciplinas podem fazê-lo. Não é uma questão do que é ensinado, mas de como é o processo de ensino-aprendizagem. 

     As letras e os números  me deram régua e compasso. Por isso,  tenho muita  alegria em possuir  interesse e  em  transitar   por  diversas  áreas. Atualmente,  depois  de  aposentada,  comecei   a  fazer  o   Bacharelado Interdisciplinar  em Arte. Revelo a  vocês, que bem lá no fundo, minha frustração é não  ter  sido uma  grande cantora,  tipo Marisa Monte*. Podem crer,  cantar  bem,  ainda não canto, mas insisto  em que poderei realizar essa façanha um dia. Se não nessa vida, nas próximas. Na verdade, a resposta mais natural na minha infância deveria ter sido: “Quero ser cantora”. Na maturidade é: “Ser maior e mais feliz”!
*(Ousadia eu tenho, cantei essa música em um teste para entrar no Coral do Estado da Bahia e não é que passei? Tenho chance ainda, podem apostar!).

Um comentário:

  1. Eu também não acredito nesse nascer com vocação, isso nos limita a experimentar uma infinidade de ricas possibilidades. De repente, a gente aprende o fazer de algo que nem sonhávamos ser capaz, mudamos nosso gosto no atravessar de cada idade, nas experiências, nas oportunidades, nos encontros pela vida afora... A mudança nos mantém vivos, presentes, atuantes em um mundo que sempre nos coloca novidades para ser vividas, vocações a serem desenvolvidas...

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