quinta-feira, 4 de agosto de 2016

O AMOR É GRANDE E CABE NESSA JANELA SOBRE O MAR

VERA E A JANELA
                                  Maria Geralda Gomes Aguiar




     Vera queria ter uma janela. Não se sabe de onde vinha aquele desejo insistente, mas ele estava lá. Quem sabe a falta de horizontes na interiorana, embora tão próxima da capital, cidade onde nascera. O certo é que Vera insistia em ter sua janela. Não uma janela qualquer. Não uma janela para ver o tempo passar. Queria a qualquer, a todo custo, uma janela para o mar. Alcançaria o mar que lhe sorria além dos contornos da avenida, que de tão próximo parecia ser-lhe exclusivo. Um mar posto aos seus olhos para encher de maresia o cotidiano. Nada mais queria da vida, ali do décimo andar, não desde o playground descortinava-se o mar que trazia-lhe uma ilha do horizonte, um forte guarnecedor das costas daquele chão, a silhueta de um porto, até. Era um pedaço de uma baía, onde todos os santos haviam se reunido só para realizar um desejo seu. Teria sido para presenteá-la, quem sabe?

     Quanto engano pensar que Vera nada mais queria. Sua janela não seria como as já existentes. Queria uma janela só sua, que desse para o poente (ou o nascente?). Não importa! O tempo desfaz a memória do que é um mero detalhe, coisa desimportante quando só se quer o sol por companhia. Briguenta? Corajosa? Aventureira?

     Só se sabe que cometeu um ato contra os regulamentos da industriosa  construção civil. Ciosa do que pensava ser um direito inarredável seu- ver o sol, olhar o mar e deixar a maresia entrar por todas as aberturas de uma morada empoleirada no alto daquilo que os outros chamavam prédio de apartamentos, simplesmente prédio, ou edifício residencial - chamou os pedreiros e encomendou-lhes uma abertura na parede lateral do escritório, ao lado do seu potente, hoje modesto micro-computador. A janela ocuparia todo o espaço possível para ser desfrutável. Deveria ter um metro, ou mais? Era só deixar uns vinte centímetros entre os caixilhos e as paredes que contornavam a caixa de fósforos onde, duramente, planejava aulas, exercícios e provas para tantos, muitas e muitas vezes inimigos da tão amada matéria.

     Se havia desfeito um sonho de mãe, que a sonhava arquiteta, para seu sonho seguir, haveria, pois, de construir uma janela apara aquecer os números, quem sabe amolecer os ângulos de tantas formas geométricas, dar um impulso de luz à geometria espacial? Se possível fosse, até tornar a álgebra menos linear. Analiticamente planejada, fervorosamente debatida com moradores e com administradores, instalaria a janela.

     Houve amigos prós e contrários, até o esboço de um movimento que, imaginariamente, se intitularia "janela já". Queremos o horizonte descortinado! As ameaças foram muitas e vãs. O dito já era fato. A janela havia invadido a parede e olha orgulhosa por sobre os quintais, telhados e varias com  roupas ao sol.

     Um mandado de segurança, cogitou-se. Ficou quem sabe nos meandros da burocracia ou na falta de legislação pertinente. Os detalhes jurídico/administrativos são sempre maçantes e cansativos, por isso não interessam. Talvez os tenha apagado deliberadamente. Só se sabe que a janela pioneira resiste bravamente e mais duas, frutos do sonhos de seus vizinhos, lhe fazem companhia.

     Agora Vera não mora mais lá. Queria mais espaço e verde para a vida com o filho que estava chegando. Empoleirou-se novamente no aoto de outro décimo andar. Dali, quem sabe, sonha em caminhar ou caminha com o ato concreto por entre o verde dar árvores que lhe sombreiam o cotidiano. Olha o retângulo, ou ú um quadrilátero formado pelas águas de uma piscina nem sempre ensolarada. São esses erros arquitetônicos da engenhosa construção civil que o sol, implacavelmente não perdoa, e por isso mesmo só aparece em certos ângulos das brechas do armado concreto.

     Hoje não se sabe se Vera é aquela que amorosamente respirava o mar chegante de tantos cantos da costeira São Salvador. Houve  uma Vera que amava o mar e o transportava para recantos imaginários. Ter o mar na alma é fazer dos desafios travessias nas quais mergulhar? Fazer mil acrobacias com uma estética vividamente sentida? Deixar de lado as má(s)temáticas e aventurar-se pelas letras, àquelas vernáculas? Novas janelas se abrirão? Ficam perguntas na janela que ontem, estava fechada.

     Vera terá o direito de insistentemente tentar deixar de amar uma má temática? O amor por uma m[á temática mantém aquecido o mar de Vera ou sera que no balanço nem sempre seguro, de seu interno mar, ela deixou de amar?

Um comentário:

  1. Vera, você é uma amiga que guardo do lado esquerdo do peito sempre, por escrevi para você há 30 anos e escrevo hoje.
    Grande abraço,

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