sábado, 11 de julho de 2015

AS PIPOCAS NO CAMINHO

     Os pipoqueiros da minha infância faziam um tipo de pipoca que hoje só é vendida nas lojas de artigos naturais em sacos nas versões salgada e doce. Além disso, as paçocas que, hoje, vêm enroladas em tijolinhos em grandes vasilhas redondas de plástico eram vendidas por eles em pequenos saquinhos de papel enchidos na hora.  Perto do clube que havia próximo à minha casa, tinha um pipoqueiro com sua carrocinha  e passou a fazer parte de nossa rotina ir até lá ao final da tarde. Embora o percurso fosse pequeno - pouco mais do que duas quadras - eu nunca havia ido sozinha, mas acompanhada da minha vizinha, cerca de um ano mais velha do que eu. 

      Em um dos dias em que aguardava enquanto ela trocava sua roupa para o costumeiro passeio, uma de suas irmãs mais novas implicou em ir conosco. A ideia não nos agradou em nada.  Afinal, não gostávamos de andar com meninas pequenas e sermos impedidas de partilhar nossos segredos de grandes amigas em início de adolescência. Pirracenta e dengosa, a menina chorou, suplicou e esperneou tanto que a mãe delas determinou que teríamos de levá-la conosco. Em represália à ordem tácita, a minha amiga desistiu de ir.  Eu fiquei desconsolada ao ver nossa diversão rolando água abaixo por conta da implicância de uma pirralha, mas temia me aventurar sozinha por um caminho que eu nunca tinha feito desacompanhada. Minha revolta foi tão grande que decidi enfrenta-lo só apesar de todo o medo.  E fui.


       Não me lembro da emoção vivida, da velocidade dos meus passos, nem se estava tomada de orgulho pela independência conquistada ou de sobressalto pelos possíveis riscos porque se apagaram da minha memória todos os momentos da ida ao pipoqueiro.  Só não consegui me esquecer de que, na volta, já na calçada do no fundo do ginásio de esportes do clube, estava concentrada em saborear a minha pipoca quando uma mulher alta, negra e vestida em trapos me deu um forte tapa na cara e eu derrubei a pipoca e voltei correndo e aos prantos para casa.  Tenha sido uma louca ou uma pessoa enraivecida, o fato é que soube captar o meu sentimento de solidão e vulnerabilidade. A experiência, mas do que me traumatizar deve ter me fortalecido, porque apesar do choque, ainda tive coragem de, anos mais tarde, enfrentando o medo, ir  morar sem pais, irmãos, namorado ou amigos.


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