sábado, 18 de janeiro de 2014

INTERTEXTUALIDADE, UMA FORMA DE HOMENAGEM

Ontem, na Livraria Cultura, eu tive o prazer de falar poesia no lançamento do livro do filho de Luciana Castro, professora do IFBA. Poderia ter escolhido poemas infantis  de autores como Vinícius de Moraes, Ferreira Gullar, Roseana Murray ou José Paulo Paes, mas preferi homenagear a minha colega. Aquela mãe reconhece, incentiva e divulga os talentos do filho. Ele, João Felipe, muito compenetrado nos seus dez anos, tocou guitarra, cantou em português e inglês, leu versos do seu livro Sussurrador de Poesias, deu entrevista e escreveu autógrafos afetuosos.


Apresentei um dos exemplos de intertextualidade de que mais gosto por diversas razões. O poema OU ISTO OU AQUILO de Cecília Meireles é bastante conhecido, mas pouco se sabe daquele escrito por Ronaldo Ribeiro Jacobina, de título É ISTO E É AQUILO. O livro CANTIGAS PARA NINAR CECÍLIA E POEMAS PARA ACORDAR GENTE GRANDE é uma bela homenagem à autora de Romanceiro da Inconfidência. Além disso, em seu poema, Jacobina menciona a ludicidade na educação - tema da dissertação de mestrado de Luciana - e rompe com uma das bases da lógica aristotélica.

A lógica formal admite o princípio do 3o. excluído, o que significa dizer que uma proposição ou é verdadeira ou é falsa, não havendo uma terceira possibilidade. Ao admitir o terceiro incluído, Ronaldo não só reafirma os versos de Cecília como os atualiza. Embora não possamos negar a importância dos estudos científicos,  a cada dia, temos maior consciência dos seus limites em abarcar a complexidade da realidade física, dos fenômenos sociais e da subjetividade de cada indivíduo em suas amplas dimensões. Nas palavras do poeta, não há antagonismos entre as operações lógicas de conjunção e disjunção, portanto É ISTO E É AQUILO e É ISTO OU É AQUILO são duas proposições verdadeiras e não contraditórias. Confirme lendo as  poesias no final dessa postagem.

Um dos exemplos clássicos de intertextualidade são os poemas baseados na CANÇÃO DO EXÍLIO. Vários autores como Drummond, Osvald de Andrade, Murilo Mendes, Cassiano Ricardo, Jô Soares, Casemiro de Abreu e Mário Quintana fizeram textos a partir dela. Além dos poemas, há também o exemplo de uma canção de Chico Buarque e Antônio Carlos Jobim. As criações que dialogam com o poema de Gonçalves Dias podem ser lidas no endereço: http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/466791

A experiência, o livro de Ronaldo Jacobina e a leitura de alguns textos me fizem concluir que a definição mais simples e pessoal que posso dar ao recurso da intertextualidade resume-se na palavra homenagem.

OU ISTO OU AQUILO
                              Cecília Meireles

Ou se tem chuva, e não se tem sol
Ou se tem sol, e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
Ou se põe o anel, e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares, não fica no chão,
Quem fica no chão, não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
Ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
E vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
Se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.


É ISTO E É AQUILO
                              Ronaldo Ribeiro Jacobina

Às vezes, se tem chuva e sol, sol e chuva.
É o casamento da raposa, aquela das uvas.

Às vezes, a gente está, sem estar, nos lugares.
Há quem, sem sair do chão, viva nos ares.

Vênus, estrela da manhã, arde
Também como estrela da tarde.

Não sei se brinco ou se estudo. Ora bolas!
Aprender brincando é minha escola.

Mestre não é só quem sabe, mas quem procura.
Quantas vezes a lucidez está na loucura?!

E quando a pergunta é resposta
E a resposta é pergunta?

Sem ser igual, pode ser isto e ser aquilo?
Insisto nisto: pode ser aquilo e ser isto?

Dá um nó no juízo
Quando é isto e é aquilo.

É isto e aquilo, aquilo e isto.
Antes que eu pire, desisto.
Com o terceiro incluído, acabo os dísticos.

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