quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O REALISMO NA X BIENAL DO NORDESTE


Tal qual Michelângelo, o ímpeto que tive ao me deparar com a obra de Antonio Miranda, prêmio Aquisição da X Bienal do Recôncavo foi o de me dirigir ao Davi contemporâneo caído no chão, junto àquela carroça repleta de papelão e falar: “Anda!", tamanho foi o impacto causado em mim pela instalação do artista plástico. A figura suja, maltrapilha, exausta, talvez morta, e jogada ao chão é um retrato perfeito das grandes contradições do mundo moderno para as quais, se não estamos anestesiados, permanecemos como estátuas: inativos.

Coincidentemente, a X Bienal era exibida durante a segunda ação movida pela Comissão dos Direitos dos Animais da OAB-BA para proibir o desfile dos jegues e cavalos no cortejo da Festa do Bonfim, sob a alegação de que os bichos são submetidos a grande estresse, esforço físico desmedido, sons estridentes, açoites e temperaturas escaldantes. Contra a ação judicial, os donos dos animais e das carroças brincam dizendo ser "uma moral de jegue”. Segundo eles, não faz sentido mudar uma tradição que inclusive já chegou a dar prêmios às carroças mais enfeitadas. Argumentam também que o percurso é pequeno, os animais bebem água fresca e são tratados com muito carinho. Entretanto, que ações são movidas quando bípedes, racionais, eleitores e cidadãos são expostos a um trânsito barulhento, desordenado, perigoso e totalmente caótico, carregando carroças entupidas de papelões em dias nada festivos, apenas para lhes garantir a sobrevivência?

No ano de 2011, a convivência de carros movidos a gás, a álcool, a óleo e a gasolina, ônibus elétricos, metrôs, aviões supersônicos e trens bala com carroças puxadas por homens, nos induz a questionar não apenas os avanços tecnológicos atingidos pela humanidade, mas, sobretudo, o uso que lhes é dado e a igualdade de acesso a eles.

Quando um homem é usado como burro de carga, ele realiza uma tarefa que este animal está mais preparado para desempenhar e deixa de desenvolver inúmeras das capacidades próprias de sua natureza. Se lhe fossem dadas as condições de desenvolver seus particulares potenciais, esse ser vivo poderia contribuir para o desenvolvimento do país em diversas áreas do conhecimento, inclusive nas áreas de cunho tecnológico, em que além de decisões técnicas são imprescindíveis decisões mais humanas e relevantes quando o assunto for democratização do domínio e direito ao uso das tecnologias. Neste campo, o planejamento do que desenvolver deve ser fruto de análises filosóficas onde predominam três perguntas: de quem? para quê? para quem?

A instalação nos mostra uma cena rotineira de mais um dos inúmeros Catadores de Papelão que cruzam o nosso caminho nas estressantes avenidas das cidades ao final das tardes. Se lhe dirigíssemos a palavra, nada ouviríamos do Davi de Antônio Miranda. No entanto, somos levados a repetir a fala de Chico Buarque:

(...)atravessou a rua com seu passo tímido
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Morreu na contra mão atrapalhando o tráfego”


2 comentários:

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