Por razões quase óbvias, não sei ser uma mãe padrão. Sou totalmente diferente: pari dois filhos, sigo zelando por dezenas de crianças de diferentes idades, eduquei centenas de jovens e continuo desejando levar para casa outros nas esquinas da vida. Comecei a ser mãe logo cedo e isso faz com que a diferença de idade entre esses primeiros filhos e eu seja muito pequena. Em um dos casos ela é de apenas meses, no mais simbólico e religioso deles é de três anos – isso se deu ao batizar uma prima, quando sequer era capaz de carregá-la no colo. Adolescente, tornei-me madrinha de outro primo, o qual é hoje pai de dois filhos. Ensaiei os meus primeiros gestos maternais, enquanto vivia na casa da minha própria mãe e senti que uma menina magrinha, de cabelos escorridos e olhos pedintes, precisava de mais do que as importantes coisas que sua tia lhe assegurava: escola, refeições em horários certos, cuidados com a higiene pessoal, tratamento médico e dentário, vestidos bordados e companhias de sua idade para brincar. Ela necessitava de alguém para, ao ensaboar o seu corpo enquanto lhe dava banho, dar especial atenção às suas pequenas costelas à mostra no tórax e insistir repetidas vezes em prender seus cabelos lisos com franjinha sobre a testa. De uma pessoa para lhe perfumar e segurar sua mãozinha para sairem juntas a um passeio que apenas tivesse como objetivo saborear o acarajé vendido na esquina do Colégio Santanópolis. Queria alguém que risse ao notar o paradóxo de sua voz aguda e infantil, cantando em rítmo acelerado os versos da música e protesto do Maluco Beleza: “eu que não me sento no trono de um apartamento, com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegaaaar...”
Mais tarde, provavelmente buscando seguir o meu exemplo, ela fez faculdade de Matemática. É tranquilizador saber que essa escolha lhe trouxe segurança profissional e lhe proporcionou grandes manifestações de afeto de seus alunos e colegas. Com a maturidade, além dos vários tecidos adiposos que arredondaram ainda mais as nossas curvas acentuadas, fomos aprendendo a controlar melhor nosso temperamento rebelde, agressividade desmedida e aquela antiga sensação de crianças esquecidas pelos pais na porta da escola. Como todas as mães, tenho minhas queixas em relação a essa filha que não me visita tanto como eu gostaria, se esquece do dia do meu aniversário e ainda continua me fazendo esperar por ela em ocasiões em que seria importante tê-la por perto. Apesar de tudo, como pequena moeda brilhante, ela acaba arrumando um jeito de se fazer presente e devo dizer que dentre os vários filhos que andei amealhando, a sua adoção teve um balanço extremamente positivo em termos de identificação, alegria e carinho mútuo.