sábado, 17 de agosto de 2024

HEI, VOCÊ AÍ! ME DÁ UM DINHEIRO AÍ!

Então eu lhe respondi na bucha: "NADA!”. Foi anteontem isso. Eu estava na sinaleira que fica na esquina da agência Mercês da CEF na saída do Orixás Center e entrada da Av. Sete, quando um morador de rua me perguntou agressivamente: “O que você vai me dar para eu comer?” Felizmente, o sinal abriu logo e fui embora satisfeita tanto por ter sustentado a minha resposta, quanto por não ter recebido um tapa na cara. Mas, Vera, é na sinaleira e com uma pessoa numa situação de pedinte que você deve testar a sua capacidade de dizer "não"? Mesmo se você é tratada com rispidez? Essa resposta também é: "NÃO"!
Mas a questão é por demais polêmica: Devo ou não devo dar esmolas? E a pergunta me é feita reiteradas vezes durante cada santo dia ... a cada novo semáforo tenho que me perguntar qual a melhor forma de lidar com mais esse subproduto da perversa desigualdade social do nosso país. E são tantas as implicações da minha decisão... Tenho que enfrentar a expressão de ódio, quando digo não, a raiva se o valor que dou não é considerado suficiente para quem recebe, corro o risco de ser assaltada, como já fui várias vezes e até temo receber um insulto se o que ofereço não é dinheiro. Sim, há cerca de 30 anos achei ter resolvido o problema, quando passei a carregar uma vasilha plástica com biscoitos no porta-luvas do carro. Dando algo para a pessoa comer, não correria o risco dela estar usando o trocado que lhe dei para drogas lícitas ou ilícitas. Como não fui capaz de sustentar as reações de quem não queria nada além de dinheiro, aposentei a vasilha. Segundo o IBGE, em 2021 houve um aumento de 14,7% no número de moradores de rua em relação ao ano anterior e o total registrado - que certamente é bem menor do que o número real - passou a ser de 222 mil pessoas! O site da SPINVISÍVEL destaca o quanto a situação de rua é complexa e multifacetada e aponta 5 causas que levam as pessoas a serem moradores de rua. Sâo elas: desemprego, conflitos familiares, uso abusivo de drogas, problemas de saúde mental e desigualdade social. Além do item, desigualdade social, considero que três outras causas estão associadas à falta de políticas sociais e consequente desigualdade social. O Estado deveria garantir não só emprego a todos os cidadãos, mas também assistência plena aos usuários de drogas e a portadores de distúrbios psíquicos. Em última análise, até os conflitos familiares podem ter raízes na desigualdade social e suas infinitas facetas.
Abrir o vidro do carro para dar qualquer coisa que seja é muito complicado numa cidade violenta como Salvador, especialmente para uma mulher. Há 18 anos, no caminho para levar meu filho e dois colegas para a escola bem cedinho, resolvi comprar um jornal ATARDE na mão de um rapaz que usava um colete com o emblema desse veículo de imprensa. Ele me entregou o exemplar do jornal e, quando fui pegar o dinheiro na carteira, vendo uma nota de R$50,00, ele enfiou a mão pra apanhá-la e ficamos os dois puxando a carteira até que o sinal abriu e ele saiu correndo com ela. Fui sim, denunciar na sede do Jornal ATARDE, mas eles agiram como se nenhuma responsabilidade tivessem sobre quem está uniformizado trabalhando na venda de seu produto. Noutra situação acontecida nos anos 80, alguém falou algo próximo à janela traseira do carro que minha mãe dirigia, eu abri um pouco o vidro e o rapaz me mostrou um caco de vidro sujo, dizendo ser aidético e ameaçando me cortar. Por sorte, o sinal abriu e minha mãe, que não sabia o que estava se passando, arrastou o carro. Esses são apenas dois dos casos perigosos que vivi por abrir o vidro do carro, tentando ajudar quem está junto a mim, naquela situação de vulnerabilidade e desamparo. Sei bem que, como uma cidadã classe média, não sou eu a maior responsável pela miséria em meu país, no entanto, queria poder fazer algo a mais para minimizá-la. Algo além de doações para a TETO BRASIL, a AÇÃO DA CIDADANIA e MÉDICO SEM FRONTEIRAS. A pobreza bate à minha janela. A pobreza me horroriza, me deixa indignada, ativa o seu senso se solidariedade, mas eu nem sei se abro para ela.

sábado, 10 de agosto de 2024

SÓ NOS RESTA ACOMPANHAR?

Anteontem, o costumeiro engarrafamento que me retarda a ida a qualquer lugar em diração ao centro da cidade, me fez constatar, consternada, que o edificio que está sendo construído no canteiro entre as duas pistas da orla, na av. Otávio Mangabeira, continua crescendo. No dia 13 de junho, fiz uma postagem aqui nesse blog no link , denunciando essa construção que vai/está obstruindo a vista do mar, impedindo a circulação da brisa marinha etc. À época a construção tinha um número de andares que era a metade do que tem hoje, ainda inacabada:
EM 13/06/24
EM 07/08/24 Como escreveu o poeta Valater Hugo Mãe (sim, ele não é só romancista, já gravei um lindo poema desse portguês e ele foi transformado em vídeo por José Mamede e está disponível no meu perfil no insta: @verapassoscoqueiro), o capitalismo é uma fábrica de fazer espanhóis, na verdade é também de fazer a maioria dos brasileiros, uma fábrica de gerar miséria, de constuir feiuras, de acinzentar os nosso dias...

domingo, 7 de julho de 2024

À NOSSA ESPREITA

A morte nem é nossa vizinha. Caso fosse, apenas uma parede poderia nos separaria dela. É a nossa sombra e a gente foge dela como vampiro da cruz! Mas não tem jeito, essa cruz vai chegar seja na sua lápide, caso seja a pessoa seja cristã, seja como cruz no sentido metafórico do termo. Mas a gente sabe que não foge da sombra, nem mesmo nos dias mais nublados. Mas foge, foge e foge. No entanto, há momentos em que a sombra nos tapea, passa a pena na gente e aparece à nossa frente, aparece como enorme tela de cinema 3d. Foi o que se passou comigo há cerca de dois mês... Tenho uma amiga que conheci há mais de 15 anos em uma clínica de tratamento psíquico. Ela foi minha colega em um grupo terapêutico. Ficamos amigas. Tínhamos o mesmo temperamento extrovertido e éramos ambas artesãs. Por algum tempo trabalhamos juntas. Ela me ajudava a bordar camisas customizadas. Eu fazia os desenhos e ambas bordávamos. Ela recebia um valor por cada peça concluída. Não era muito, cada camisa era vendida por um valor muito pequeno. Afinal, quem dá valor a peças artesanais, não é mesmo? Ouvi alguém falar algo muito interessante sobre isso: "Se for feito por homem, é arte. Se for feito por mulher, é artesanato!". Não só do fato de ser um trabalho manual, mas também daí deve vir a desvalorização das peças artesanais. Não se leva em conta o valor do material usado, o tempo gasto para fazer o artigo e, muito menos, o valor intrínseco da criatividade da concepção da peça, no meu caso camisas únicas da marca UM A UM COSTUMIZAÇÂO. Em outros momentos, fui eu a auxiliá-la a fazer enfeites para carnaval, vendidos por ela. Nesse caso, sem pagamento, porque era só um gesto de gratidão pelo que ela havia me ajudado antes. No final do ano passado, uma amiga comum, também pertencente àquele grupo de terapia, recebeu uma mensagem dela lhe contando que havia caído, tinha tido um problema no quadril e na perna, tinha se tornado cadeirante e estava morando em um abrigo. Ficamos ambas muito tristes e preocupadas com essas notícias. Já havia muito tempo que eu a visitara e não tinha ideia de que isso lhe estava acontecendo. Desde então, só tínhamos trocado mensagens pelo whatsapp. Marcamos de ir à casa de repouso no início desse ano. Passado o carnaval, decidimos ir, mas vários contratempos nos impediram, alguns por imprevistos meus, outros da minha companheira de visita. Foi assim que só conseguimos nos dirigir para ir vê-la em maio. Eu saí de Patamares, peguei minha amiga na Graça e fomos até o Abrigo Dom Pedro II, na Av. Luiz Tarquínio, na cidade baixa. Chegando lá, nos informaram que o abrigo já não funcionava naquele local. Segundo o vigilante, a instituição funcionava agora em Piatã em local que ele não sabia precisar. Decidimos atravessar novamente a cidade e fomos até lá. Foi uma maratona achar a nova localização do asilo. Tivemos que pedir informações a mais de 6 pessoas! Quando enfim chegamos, nos informaram que não havia nenhuma mulher com o nome da nossa amiga: Valine. Ligamos para o seu celular para ver exatamente onde ela estava morando. Nada. As nossas ligações não foram atendidas... Como nos disseram que havia outro abrigo na mesma rua, até lá fomos. Novamente não havia ninguém como seu nome naquele local. Cansadas e sem saber por onde continuar a procura, voltamos desanimadas para casa. Tentamos doar as frutas que compramos para o lanche ao asilo público, mas eles disseram que possuem normas que não permitem isso. Desorientada, voltei para casa com um presente, sequilhos e um cartão escrito para a minha amiga com a seguinte mensagem:
Valine, Não estamos sós. Não estamos só com os protetores invisíveis. Estamos juntos como seres em construção, sempre em busca da iluminação. Conte conosco, Beijos carinhosos, Veroca (Era assim que ela me chamava.)
Eu e minha amiga combinamos de procurar as irmãs da desaparecida para sabermos exatamente em que abrigo ela vivia. O sobrenome é Noguerol, lembramos. Então porque o sobrenome delas não era muito comum: Noguerol. Concluímos que o melhor canal para isso seria o instagram e que a tarefa seria facilitada porque o nome não era muito comum. Procuramos a sua irmã mais velha e não a encontramos. Uma semana depois, eu me lembrei do nome de sua outra irmã e mandei mensagem para ela. Esta me respondeu contando em detalhes que nossa amiga havia morrido! Não sei descrever que sentimento me abateu ao receber aquela notícia. Como deve se sentir uma pessoa que sai com presente, cartão e lanches para um alegre encontro com uma antiga amiga e descobre que ela está morta há meses? Não sei descrever. Só sei que senti. O que me resta fazer? Desejar que hoje ela tenha de fato sobre a proteção dos seres invisíveis. Segure firme na mão deles e siga em paz, Valine.

domingo, 16 de junho de 2024

FORRÓ, UM SOPRO DIVINO

 

FORRÓ, UM SOPRO DIVINO


Em um vídeo recém recebido (https://www.youtube.com/watch?v=4UrGfuw6GN4), Dominguinhos nos mostra cinco tipos diferentes de ritmos que são tocados durante os festejos juninos: forró pé de serra, baião, xote, arrasta pé e xaxado. Eu até consegui me lembrar do Falamansa que toca o chamado forró universitário, ao qual ele não se referiu, mas confesso que sequer consegui gravar qual deles é o embalo que tanto gosto de dançar com meu benzinho, seja em uma sala de reboco ou não. Afinal, essa matéria não passa pelo túnel nebuloso do intelecto, desliza pela via verdejante do corpo, esse mistério que me carrega e que insisto em naturalizar como se apenas uma carcaça fosse. Mas ele resiste e sela sensações e memórias: da minha aorta alçando voo enquanto deslizo na pista, conduzida por suas mãos com aqueles seus dedos beijando os meus como colibri em pétala recém orvalhada, do meu quadril que tenta avançar entre suas pernas exatos 2,25cm a cada toque da zabumba... Ahhh, e de sua voz ecoando em meu ouvido, acompanhando a música daquele jeito desafinado e gostoso, distoante não porque é experimentação bossanovista, mas porque é carimbo dessa marca registrada que é só sua. E tem a memória de mim também. De me dizer: “Veja, Vera, ele tá tão feliz!”; “Ele também faz seu movimento pra se roçar em você, e requebra, requebra, requebra macio”; “Sinta bem, registre o momento, guarde a sensação de que ele requebra nesse compasso de alegria que, com a caneta dos pés, traça a frase:  “Olha, que isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais...”

E no almoço do dia seguinte, quando nossa filha pergunta como foi a reza pra Santo Antônio e o forró que a seguiu, lembro do Sto Antônio que ele me deu em um nicho com florzinhas de metalacê eo bilhete: "Você tem muito a agradecer a ele!" Mas é nesse momento que ele me desafia: “Qual foi mesmo a música de que eu mais gostei, ontem?” Eu saio correndo desesperada a pesquisar e lhe respondo sem qualquer certeza, achando que dei um chute que no máximo vai bater na trave:

“Debaixo do barro do chão da pista onde se dança, suspira uma sustança, sustentada por um sopro divino...”

Nessa hora ele ri satisfeito comemorando a minha excelente memória e sabedoria sobre esse ser incognoscível que ele é. E é claro que concordo totalmente com essa sua conclusão, afinal não sou boba nem nada! Eu só sei que:

Eu não sei do arrasta pé.

Eu não sei do forró pé de serra.

Eu não sei do baião.

Eu não sei do xote.

Eu não sei do xaxado

Eu só sei que estava lá. E ainda estou!

quinta-feira, 13 de junho de 2024

TIRE AS SUAS MÃOS DA MINHA PRAIA


"Tire as construções de minha praia, não consigo respirar.
As meninas de mini saia, não conseguem respirar
Especulação imobiliária e o petróleo em alto mar..."

                                                                        (Lucro – Baiana System)

A luta contra o progresso desmedido, sem planejamento e análise dos impactos econômicos, sociais, culturais e tendo como critério a sustentabilidade não é nova e a questão está longe de ser resumida na dicotomia entre progresso e estagnação, entre o urbano progressista e o rural bucólico e atrasado. Trata-se de uma batalha que vale a pena ser travada se os adversários são o PROGRESSO DESMEDIDO e o PROGRESSO RESPONSÁVEL. De fato, o que está em disputa é o crescer desordenadamente e o crescer de modo planejado, considerando os interesses de todas as camadas da população, minimizando os impactos ambientais etc. É essa a questão que está em voga em várias situações contemporâneas. No Brasil de hoje, ela é um fator de fundo quando analisamos as catástrofes no Rio Grande do Sul e está em voga quando a maior parte da população brasileira se manifesta contra a Proposta de Emenda Constitucional que permite o uso de nossas praia.

Em Salvador eu a observo principalmente na questão da mobilidade urbana e no uso do solo. Ao problema dos enorme engarrafamentos na cidade, os órgãos responsáveis têm respondido com viadutos por toda parte, muitas vezes construídos sobre a destruição de lindas áreas verdes. Está também demonstrada a opção de modelos de transporte ultrapassados   trafegando em trechos já contemplados por outras 1possibilidades de deslocamento, a exemplo do BRT. Lembro-me bem que na campanha eleitoral para prefeito da cidade, o candidato Hilton Coelho (PSOL) enfatizava que o GLT era mais moderno e mais indicado do que o BRT para implementação na cidade. Mas o que vimos foi o BRT sendo implantado depois de anos dessa discussão, portanto com tecnologia ainda mais defasada, em local onde havia árvores centenárias, em um trajeto já percorrido por ônibus convencionais e pelo metrô,  menos poluidor e mais rápido.

Já ao problema do crescimento urbano, desde que o gabarito de construção foi modificado (mudança no PDDU), quando João Henrique Carneiro era prefeito, os arranha-céus estão pululando como pústulas de sarampo na pele de crianças não vacinadas. Moro em um bairro que era caracterizado por moradias horizontais, no qual não existia um só prédio de dois andares. Hoje estamos cercados por edifícios com cerca de vinte andares, alguns deles se denominando bairro, como o Green Ville que de “green” e de “ville” não tem nada. A hipocrisia no modus operandi das empreiteiras é tão grande que têm o displante de utilizar nomes da flora e da fauna nos prédios e grupos de construções que foram construídas nos lugares onde antes havia justamente inúmeras espécies da flora e da fauna! Exemplo muito marcante disso foi o que transformou o Horto Florestal da Cidade do Salvador no famoso bairro “Cidade Jardim”, onde impera o concreto e foi tão mal dimensionados que se um morados faz uma festa, ninguém pode visitar alguém dos prédios vizinhos porque a rua vira um grande engarrafamento e não há vagas para nela estacionar. Recentemente e igualmente grave foi que escavaram o morro logo abaixo da Cidade Jardim só para construírem mais um dos “trocentos” supermercados Hiper Ideal. Afinal, tudo depende de quem está a fazer. Do poder político e aquisitivo do proponente. Não é mesmo?

Mas a grande e pior das novidades não é só que esses edifícios estão sendo cornstruídos em frente ao mar, em um projeto de tornar nossa orla igual a Copacabana, na qual não corre nenhuma brisa, é que começaram a construir no canteiro entre as duas pistas da orla, entre as pistas da Avenida Otávio Mangabeira! Cada dia que passo por lá, vou contando quantos andares já foram construídos em um deles. Comecei achando que eram 3, mas já ultrapassam 6!

Mais um exemplo que destaco é o que está prestes a acontecer na Praia do Buracão, no Rio Vermelho:

Projeção de sombras que incidiriam sobre a Praia do Buracão caso sejam construídas as três torres planejadas pela Novonor (antiga Odebrecht) no Rio Vermelho, em Salvador; doutora em química contra o projeto alerta para o risco às correntes marítimas e à ventilação da cidade — Foto: Ilustração do arquiteto Daniel Pessoa a partir de detalhes do projeto/Movimento SOS (portal Globo)

Há alguns dias, ouvi a fala do deputado Alceu Moreira,  (pasmem) DO RIO GRANDE DO SUL, que teve a brilhante ideia de pôr em votação na Câmara essa Proposta de Emenda Constitucional denominada popularmente de PEC das PRAIAS. Vale escutar o áudio, porque ele nem disfarça que o objetivo é liberar as praias pra especulação imobiliária!  Por que será que, entre todos os problemas do país e, especialmente, aqueles gravíssimos do RS, essa "ilustre excelência" está tão preocupado com isso? Matéria publicada no UOL relara a lista de oito senadores e um governador a serem beneficiados pela sua aprovação e que há ainda 116 vereadores, 65 prefeitos, 41 deputados estaduais e 31 federais, 31 vice-prefeitos e 2 vice-governadores. Também podem ser favorecidos pela eventual mudança na legislação empresas do setor imobiliário, da agricultura e empresários que possuem imóveis nos chamados terrenos de marinha, que pertencem à União.

Só faltou que o deputado Alceu encerrasse sua fala com a seguinte frase:

 "Vamos aproveitar que está todo mundo ligado nessa tragédia e passar a boiada dos arranha-céus!”


                        Hotel Tambaú, uma construção particular na praia de João Pessoa, feita em 1970 para uso privado.

Essa luta é muito antiga, mas continuamos como estacas de braços dados, impedindo a boiada de passar

quinta-feira, 23 de maio de 2024

EU E VERY IMPORTANT PEOPLE

Nessa que foi a minha última viagem, tive a experiência de ir para uma SALA VIP no Aeroporto de Congonhas, a convite de uma das pessoas que viajaram comigo. Sempre detestei essa sigla VIP e me perguntava o proquê de haver pessoas muito importantes, designação que ers agravada pela constatação de que isso era um marcador de classe social. O fato é que no Brasil da pandemia, o número de pessoas desimportantes, que sempre foi enorme nesse país estremamente perverso e desigual, foi aumentando vertiginosamente (de 2019 a 2022, o IDB diminuiu 3 pontos, passando o país para a 89a. posição). Nunca perguntei nem havia parado muito para pensar como seria uma sala VIP. Só achava que teria cadeiras mais afastadas e confortáveis. Ontem eu descobri que não era apenas isso. Não foram só cadeiras o que vi. Havia vários salgadinhos, diferentes tipos de bolo e biscoitos,  máquina de café, capuccino etc, geladeira com cerveja, refrigerante, água e vinho e banheiros exclusivos em um ambiente refrigerado.E pelo que me informaram, essa não era uma sala tão VIP assim. Outras são muito melhores!

O que faz com que os bancos brasileiros invistam dinheiro em montar esses espaços? Certamente tem relação com seus lucros, que estão entre os maiores do mundo! O que se dá na mente de alguns brasileiros que os faz terem a necessidade de se sentirem mais importantes nos aeroportos e em todos os lugares do país? É a herança escravrocata? O fato de termos um dos piores IDH do mundo? Não sei quando surgiram as primeira salas VIPs, mas tenho um palpite de que isso aconteceu depois que as companhia enxugaram seus serviços e preços e pessoas de estratos inferiores da sociedade passaram a ter a possibilidade de entrar em um avião. Foi isso que tanto indignou o ex-ministro Sr. Paulo Guedes, que expressou esse pensamento na sua famosa frase "Empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada!"

É muito triste acompanhar o empobrecimento de cidadãos brasileiros. Há alguns anos, quando eu voltava do trabalho, sempre encontrava um homem vendendo alguma fruta na sinaleira.Á medida que o tempo foi passando, a sua aparência foi ficando cada vez mais esquálida e sua roupa mais folgada e suja. Até que um dia eu o encontrei em um outro semáforo. Nesse dia não mais vendendo limões, mas pedindo esmolas...

Outros exemplos se deram na Boca do Rio. Eu sempre ia a um relojoeiro que tinha uma pequena loja na calçada da rua principal do fim de linha do bairro. Além de trabalhar muito bem, ele tinha um ótimo atendimento. Depois de um tempo, ele se transferiu para uma sala um andar acima, bem menor do que a anterior. Obviamente concluí que já não podia pagar o aluguel da sala anteior. Até que ao procurá-lo depois da pandemia, soube que ele tinha fechado a loja. Na semana passada perguntei a um camelô, que também conserta relógios, o qual me disse que ele havia morrido. Esse não foi o único caso que chamou a minha atenção. Na calçada dessa mesma rua, havia uma papelaria que foi reduzida à metade. Por quanto tempo ela resistirá, não sei dizer.  

Tem sido quase sempre assim, exceto quando há políticas sociais que visam diminuir a pobreza. No entanto, o montante que setores como o agronegócio recebem de subsídios poderia e deveria ser usado para diminuir a enorme distância que separa aqueles considerados VIPs dos simples mortais. Não vou, hipocritamente, dizer que não gostei de ter aquelas mordomias ao meu dispor. No entanto, a equação do meu desejo não inclui a variável "Só eu posso ter".

domingo, 12 de maio de 2024

COMO SER OU NÃO SER MÃE

 Amigas, boa madrugada.

Fiquei contente ao notar que provavelmente serei a primeira pessoa a lhes desejar um feliz dia das mães... 

Sabem, na autobiografia de Jane Fonda - cuja leitura eu recomendo - ela diz que a lição mais difícil e importante que, se quisermos, precisaremos aprender é a de educar noss@s filh@s, No entanto, para preparar para tirar boa nota nessa tarefa tão complicada não há cursos...

Em todos os segundos domingos de maio, eu me ponho a refletir sobre o quanto ser mãe é desafiador e como, nessa sociedade machista,  o ato de ser mãe se impõe como um desafio bem maior do que aquele de ser pai. São vários os exemplos dessa assimetria entre as expectativas em relação a ser mãe e a ser pai. Começa que, ao contrário do que acontece com as mulheres, ninguém questiona se o homem decide não ser pai (se ele resolve ficar solteiro,  passa a ser visto como "o tal"/ "o que não quis mulher nenhuma ", enquanto ela é considerada  "a rejeitada").  Mais do que sabermos, vivemos essas situações díspares rotineiramente. Porém, importa saber: com  que base nos lançamos nessa aventura tão complexa que é ser mãe dentro desse ambiente patriarcal. Penso que o fazemos tendo por base não só os acertos, mas também os erros das nossas próprias mães. É a partir da vivência como filhas que decidimos se queremos ser mães e que tipo de mãe queremos ser. A minha mãe se foi nesse ano e tive o consolo de me lembrar de várias  vezes lhe ter dito: 

- Minha mãe, você foi uma mãe melhor do que a sua,  eu sou uma melhor mãe do que você e tenho a certeza de que minha filha será uma mãe bem melhor do que eu".  Acredito nisso: que a vida só vale a pena se conseguimos nos ver como setas que não atingem a mira, mas não deixam de se lançar, de voar buscando  se aproximar dela. Muitas vezes vacilantes, caminhamos para dar passos mais leves, e ainda assim, firmes, visando ser e fazer melhor.

Por tudo isso, nesse ano não lhes envio uma das mensagens de praxe com flores e corações, nas quais se diz que só temos virtudes e sempre acertamos no modo como orientaram @s noss@s filh@s. Ao contrário,  envio os links de um áudio com Inezita Barroso cantando a música "Mãe é dureza", do texto com o poema "Vigílias das mães" de Cecília Meireles e de um vídeo em que Elisa Lucinda  recita a sua poesia "Chupetas, Punhetas, Guitarras" e um áudio do meu canal VIVERDEPOESIA no qual recito esse mesmo poema, pois todos eles observam a maternidade sobre outros pontos de vista. Desse modo, desejo que os recebam como o perfume de um buquê de jasmim aos sentidos e como a paz aos corações. 


                                                                                                             Vera Passos