domingo, 7 de julho de 2024
À NOSSA ESPREITA
A morte nem é nossa vizinha. Caso fosse, apenas uma parede poderia nos separaria dela. É a nossa sombra e a gente foge dela como vampiro da cruz! Mas não tem jeito, essa cruz vai chegar seja na sua lápide, caso seja a pessoa seja cristã, seja como cruz no sentido metafórico do termo. Mas a gente sabe que não foge da sombra, nem mesmo nos dias mais nublados. Mas foge, foge e foge. No entanto, há momentos em que a sombra nos tapea, passa a pena na gente e aparece à nossa frente, aparece como enorme tela de cinema 3d. Foi o que se passou comigo há cerca de dois mês...
Tenho uma amiga que conheci há mais de 15 anos em uma clínica de tratamento psíquico. Ela foi minha colega em um grupo terapêutico. Ficamos amigas. Tínhamos o mesmo temperamento extrovertido e éramos ambas artesãs. Por algum tempo trabalhamos juntas. Ela me ajudava a bordar camisas customizadas. Eu fazia os desenhos e ambas bordávamos. Ela recebia um valor por cada peça concluída. Não era muito, cada camisa era vendida por um valor muito pequeno. Afinal, quem dá valor a peças artesanais, não é mesmo? Ouvi alguém falar algo muito interessante sobre isso: "Se for feito por homem, é arte. Se for feito por mulher, é artesanato!". Não só do fato de ser um trabalho manual, mas também daí deve vir a desvalorização das peças artesanais. Não se leva em conta o valor do material usado, o tempo gasto para fazer o artigo e, muito menos, o valor intrínseco da criatividade da concepção da peça, no meu caso camisas únicas da marca UM A UM COSTUMIZAÇÂO. Em outros momentos, fui eu a auxiliá-la a fazer enfeites para carnaval, vendidos por ela. Nesse caso, sem pagamento, porque era só um gesto de gratidão pelo que ela havia me ajudado antes.
No final do ano passado, uma amiga comum, também pertencente àquele grupo de terapia, recebeu uma mensagem dela lhe contando que havia caído, tinha tido um problema no quadril e na perna, tinha se tornado cadeirante e estava morando em um abrigo. Ficamos ambas muito tristes e preocupadas com essas notícias. Já havia muito tempo que eu a visitara e não tinha ideia de que isso lhe estava acontecendo. Desde então, só tínhamos trocado mensagens pelo whatsapp. Marcamos de ir à casa de repouso no início desse ano. Passado o carnaval, decidimos ir, mas vários contratempos nos impediram, alguns por imprevistos meus, outros da minha companheira de visita. Foi assim que só conseguimos nos dirigir para ir vê-la em maio. Eu saí de Patamares, peguei minha amiga na Graça e fomos até o Abrigo Dom Pedro II, na Av. Luiz Tarquínio, na cidade baixa. Chegando lá, nos informaram que o abrigo já não funcionava naquele local. Segundo o vigilante, a instituição funcionava agora em Piatã em local que ele não sabia precisar. Decidimos atravessar novamente a cidade e fomos até lá. Foi uma maratona achar a nova localização do asilo. Tivemos que pedir informações a mais de 6 pessoas! Quando enfim chegamos, nos informaram que não havia nenhuma mulher com o nome da nossa amiga: Valine. Ligamos para o seu celular para ver exatamente onde ela estava morando. Nada. As nossas ligações não foram atendidas...
Como nos disseram que havia outro abrigo na mesma rua, até lá fomos. Novamente não havia ninguém como seu nome naquele local. Cansadas e sem saber por onde continuar a procura, voltamos desanimadas para casa. Tentamos doar as frutas que compramos para o lanche ao asilo público, mas eles disseram que possuem normas que não permitem isso. Desorientada, voltei para casa com um presente, sequilhos e um cartão escrito para a minha amiga com a seguinte mensagem:
Valine,
Não estamos sós.
Não estamos só com os protetores invisíveis.
Estamos juntos como seres em construção, sempre em busca da iluminação.
Conte conosco,
Beijos carinhosos,
Veroca (Era assim que ela me chamava.)
Eu e minha amiga combinamos de procurar as irmãs da desaparecida para sabermos exatamente em que abrigo ela vivia. O sobrenome é Noguerol, lembramos. Então porque o sobrenome delas não era muito comum: Noguerol. Concluímos que o melhor canal para isso seria o instagram e que a tarefa seria facilitada porque o nome não era muito comum. Procuramos a sua irmã mais velha e não a encontramos. Uma semana depois, eu me lembrei do nome de sua outra irmã e mandei mensagem para ela. Esta me respondeu contando em detalhes que nossa amiga havia morrido!
Não sei descrever que sentimento me abateu ao receber aquela notícia. Como deve se sentir uma pessoa que sai com presente, cartão e lanches para um alegre encontro com uma antiga amiga e descobre que ela está morta há meses? Não sei descrever. Só sei que senti. O que me resta fazer? Desejar que hoje ela tenha de fato sobre a proteção dos seres invisíveis. Segure firme na mão deles e siga em paz, Valine.
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Nao sabia! Triste mesmo!! Eu assisti um vídeo essa semana que falava sobre isso! De não adiarmos os momentos. De irmos a tudo que nós convidarem e de estar presente em todos os eventos! Porque amanhã nunca saberemos onde estaremos e com quem!! Que pena que ela partiu! Espero que esteja em paz!!
ResponderExcluirEla foi acolhida pelos protetores invisíveis que você fala aí acima. só resta agora lhe fazer uma visita no astral, nos sonhos. É possível.
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