terça-feira, 27 de junho de 2023
quarta-feira, 8 de março de 2023
O QUE HÁ DE MACHISMO EM MIM
Nasci de um homem muito machista casado com uma mulher de 18 anos, 13 anos mais jovem do que ela. A minha mãe era uma mulher muito forte e, em alguns assuntos, à frente do seu tempo. Essa mulher, ficou viúva com 35 anos, mas o machismo estava tão internalizado nela que consentiu que ele limitasse o seu futuro: não se permitiu viver uma nova relação, continuar os estudos e constituir uma carreira, usar roupas decotadas etc. Sei que era uma feminista, sem se permitir ser, porque aprendeu a dirigir sozinha, fotografava sem ter tido um curso e me levou ao único psicólogo da cidade para que eu fizesse terapia quando começamos a ter atrito na minha adolescência etc. Meu pai tinha poucos recursos financeiros e ela era uma herdeira de fazenda e outros bens, e, embora contrariada, deixou que ele administrasse os seus bens como bem quis. A frase que demonstrava a sua ânsia de liberdade, sua sede de ocupar um lugar no mundo menos subjugado, jamais esqueci: “Vá estudar pra não depender de homem!” Está aí o gérmen que brotou em mim o desejo de educar os meus filhos para que contribuíssem para um mundo mais igualitários entre os gêneros.
Comecei desejando que fosse uma filha a primeira criança que
eu poria no mundo, não só porque ela teria uma maior atenção de todos da
família, mas também porque temia que sendo um filho, ele se sentisse no direito
de controlar a irmã. O universo não quis facilitar as coisas para mim. Tive um
filho e só depois, uma menina. O que fiz para que ao menos a minha família não fosse
uma réplica do poder dos homens sobre mulheres? Talvez o tenha feito mais por
atitudes inconscientes do que conscientes e o maior exemplo deve ter sido a
relação de respeito que eles compartilhavam com os seus pais. Eles têm conhecimento
de que antes de o conhecer, morei sozinha desde os 18 anos, era motociclista,
viajava sozinha etc. Além disso, sabem que era 5 anos mais velha do que ele, que
dirigi antes dele, que já tinha vida sexual quando o conheci, que tomei a
iniciativa do namoro, que mantive contato com os meus amigos e alguns
ex-namorados, que o pedi em casamento depois de 25 anos de relacionamento, que
jamais permiti que ele controlasse as minhas iniciativa ou desse palpite na
minhas roupas, que manifesto tudo o que me desagrada na relação, que dividimos
as despesas, que conversamos e decidimos conjuntamente todas as coisa relativas
à família, que nos admiramos, nos encorajamos e partilhamos projetos e sonhos.
Entre as conscientes, destaco:
Não permitimos que seu irmão a desrespeitasse;
Validamos igualmente a fala e os sentimentos dos dois;
Damos suporte aos planos e anseios de ambos;
Começamos a dar mesadas a ambos desde cedo para que aprendessem a administrar algum recurso financeiro;
Requisitamos ambos a assumirem as responsabilidades pelas tarefas domésticas;
Permitimos que ela trouxesse seu namorado para dormir em seu quarto, do mesmo modo que fizemos
quando ele quis trazer a namorada;
sexta-feira, 3 de março de 2023
PROJETO MEXERAM COM TODAS
MEXERAM COM TODAS
As mulheres são alvo de violências em
todas as partes do planeta, seja na Síria, no Brasil ou no Sudão. O que muda
então? Mudam a intensidade e a forma, mas a dura realidade de ser mulher em
sociedades patriarcais não mudou ainda não.
Segundo a bíblia, o mundo foi feito
por intermédio do verbo. As coisas começam a partir da palavra: pensamos com a
palavras, sonhamos com palavras, desejamos com palavras, colocamos o desejo no
mundo através da palavra e, só depois, o que era palavra se materializa em algo
mais concreto do que ela. No entanto, a palavra pode ser veículo de utopias ou
de distopias, de opressão ou de libertação. O projeto “MEXERAM COM TODAS” tem
na palavra nas formas oral e escrita o seu instrumento transformador. Através
dela visamos encorajar mulheres a tomar consciência dos acontecimentos em que
foram desrespeitadas apenas por serem mulheres em um ambiente de machismo
estrutural, para que a partir de seus relatos, possam buscar caminhos para
trazer para o real a possibilidade de um mundo mais igualitário entre homens e
mulheres.
Nesse sentido, em agosto de 2022, realizei a realização a oficina"Escrita Terapêutica para Revelar e Combater a Violência de Gênero", no III Encontro Nacional de Mulheres do SINASEFE, na cidade
de Fortaleza. Nela, convidei 40
mulheres a escreverem um relato de uma situação de violência que sofreram,
misturei os textos sem identificação de autoria e os distribuí aleatoriamente.
Cadastrei todas elas em um grupo no whatsapp de nome “Mexeram com todas”
e pedi que nos enviassem áudios lendo os relatos recebidos. Desse modo, visava
estimular a sororidade em todas nós.
Para que esses relatos nao ficassem restritos ao pequeno grupo e fossem ouvidos por pessoas de todos os gêneros iniciei a Etapa 2 do projeto "Mexeram com Todas". Assim, para marcar esse Mês da
Mulher de 2023, de uma forma menos folclórica e mais reflexiva, em cada um dos
seus 31 dias, um relato está sendo
divulgado sem identificação da autoria do texto nem da voz que o lê. Penso que essa é uma boa iniciativa para
marcar a necessidade de luta pelos direitos da mulher, tão ameaçados nos
últimos anos, inclusive com o aumento do número de feminicídios. Considero que, mais do que engrandecer a
beleza e força femininas, é necessário que outras mulheres que sofreram ou sofrem
abusos se fortaleçam para denunciá-los, deixando claro que a dor de uma de nós
mobiliza a nossa dor, assim como a força de uma fortalece todas. Os podcasts com os relatos podem ser ouvidos no Spotify. Sua repercussão sinaliza que é preciso dar continuidade a ele, orientando novas oficinas e, com a permissão das
participantes, tornando público os seus resultados. A quem considerar relevante a iniciativa, solicito que participem do projeto, seja enviando textos, gravando outros ou apenas divulgando o projeto.
terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
UM NÃO QUE ERA SIM?
A paixão entre nós era conhecida na cidade. Lembro de uma conversa entre meu pai e cerca de oito amigos na sala de nossa casa, em que me diziam: com o filho de (nome do pai dele), não.Você pode namorar com o filho de Fulano ou Beltrano, ambos, obviamente, amigos do meu pai e presentes na sala. A mim restava apenas ouvir. Só a perplexidade com os comentários era diferente naquele meu hábito de só ouvir.
A tecnologia foi tornando cada vez mais fácil uma comunicação entre nós. E eu confesso que gostaria de lhe perguntar sobre o que foi para ele aquela experiência tão ingênua, de talvez rirmos juntos dos costumes da época etc. Tenho uma curiosidade de saber como o outro me via, que impressão tinha da minha realidade, como interpretava o meu comportamento... Talvez isso se dê só por uma necessidade de conhecer o meu passado para melhor compreender a argamassa que compõe as paredes que dão sustentação àquilo que sou hoje. Há muito sei que aquela pessoa não combinava com o ideal de companhia que, já naquela época, eu queria para mim. Mas ainda acho estranho não ser possível sequer uma conversa amigável, com uma pessoa que por anos foi o motivo dos meus suspiros juvenis.