domingo, 16 de junho de 2024

FORRÓ, UM SOPRO DIVINO

 

FORRÓ, UM SOPRO DIVINO


Em um vídeo recém recebido (https://www.youtube.com/watch?v=4UrGfuw6GN4), Dominguinhos nos mostra cinco tipos diferentes de ritmos que são tocados durante os festejos juninos: forró pé de serra, baião, xote, arrasta pé e xaxado. Eu até consegui me lembrar do Falamansa que toca o chamado forró universitário, ao qual ele não se referiu, mas confesso que sequer consegui gravar qual deles é o embalo que tanto gosto de dançar com meu benzinho, seja em uma sala de reboco ou não. Afinal, essa matéria não passa pelo túnel nebuloso do intelecto, desliza pela via verdejante do corpo, esse mistério que me carrega e que insisto em naturalizar como se apenas uma carcaça fosse. Mas ele resiste e sela sensações e memórias: da minha aorta alçando voo enquanto deslizo na pista, conduzida por suas mãos com aqueles seus dedos beijando os meus como colibri em pétala recém orvalhada, do meu quadril que tenta avançar entre suas pernas exatos 2,25cm a cada toque da zabumba... Ahhh, e de sua voz ecoando em meu ouvido, acompanhando a música daquele jeito desafinado e gostoso, distoante não porque é experimentação bossanovista, mas porque é carimbo dessa marca registrada que é só sua. E tem a memória de mim também. De me dizer: “Veja, Vera, ele tá tão feliz!”; “Ele também faz seu movimento pra se roçar em você, e requebra, requebra, requebra macio”; “Sinta bem, registre o momento, guarde a sensação de que ele requebra nesse compasso de alegria que, com a caneta dos pés, traça a frase:  “Olha, que isso aqui tá muito bom, isso aqui tá bom demais...”

E no almoço do dia seguinte, quando nossa filha pergunta como foi a reza pra Santo Antônio e o forró que a seguiu, lembro do Sto Antônio que ele me deu em um nicho com florzinhas de metalacê eo bilhete: "Você tem muito a agradecer a ele!" Mas é nesse momento que ele me desafia: “Qual foi mesmo a música de que eu mais gostei, ontem?” Eu saio correndo desesperada a pesquisar e lhe respondo sem qualquer certeza, achando que dei um chute que no máximo vai bater na trave:

“Debaixo do barro do chão da pista onde se dança, suspira uma sustança, sustentada por um sopro divino...”

Nessa hora ele ri satisfeito comemorando a minha excelente memória e sabedoria sobre esse ser incognoscível que ele é. E é claro que concordo totalmente com essa sua conclusão, afinal não sou boba nem nada! Eu só sei que:

Eu não sei do arrasta pé.

Eu não sei do forró pé de serra.

Eu não sei do baião.

Eu não sei do xote.

Eu não sei do xaxado

Eu só sei que estava lá. E ainda estou!

quinta-feira, 13 de junho de 2024

TIRE AS SUAS MÃOS DA MINHA PRAIA


"Tire as construções de minha praia, não consigo respirar.
As meninas de mini saia, não conseguem respirar
Especulação imobiliária e o petróleo em alto mar..."

                                                                        (Lucro – Baiana System)

A luta contra o progresso desmedido, sem planejamento e análise dos impactos econômicos, sociais, culturais e tendo como critério a sustentabilidade não é nova e a questão está longe de ser resumida na dicotomia entre progresso e estagnação, entre o urbano progressista e o rural bucólico e atrasado. Trata-se de uma batalha que vale a pena ser travada se os adversários são o PROGRESSO DESMEDIDO e o PROGRESSO RESPONSÁVEL. De fato, o que está em disputa é o crescer desordenadamente e o crescer de modo planejado, considerando os interesses de todas as camadas da população, minimizando os impactos ambientais etc. É essa a questão que está em voga em várias situações contemporâneas. No Brasil de hoje, ela é um fator de fundo quando analisamos as catástrofes no Rio Grande do Sul e está em voga quando a maior parte da população brasileira se manifesta contra a Proposta de Emenda Constitucional que permite o uso de nossas praia.

Em Salvador eu a observo principalmente na questão da mobilidade urbana e no uso do solo. Ao problema dos enorme engarrafamentos na cidade, os órgãos responsáveis têm respondido com viadutos por toda parte, muitas vezes construídos sobre a destruição de lindas áreas verdes. Está também demonstrada a opção de modelos de transporte ultrapassados   trafegando em trechos já contemplados por outras 1possibilidades de deslocamento, a exemplo do BRT. Lembro-me bem que na campanha eleitoral para prefeito da cidade, o candidato Hilton Coelho (PSOL) enfatizava que o GLT era mais moderno e mais indicado do que o BRT para implementação na cidade. Mas o que vimos foi o BRT sendo implantado depois de anos dessa discussão, portanto com tecnologia ainda mais defasada, em local onde havia árvores centenárias, em um trajeto já percorrido por ônibus convencionais e pelo metrô,  menos poluidor e mais rápido.

Já ao problema do crescimento urbano, desde que o gabarito de construção foi modificado (mudança no PDDU), quando João Henrique Carneiro era prefeito, os arranha-céus estão pululando como pústulas de sarampo na pele de crianças não vacinadas. Moro em um bairro que era caracterizado por moradias horizontais, no qual não existia um só prédio de dois andares. Hoje estamos cercados por edifícios com cerca de vinte andares, alguns deles se denominando bairro, como o Green Ville que de “green” e de “ville” não tem nada. A hipocrisia no modus operandi das empreiteiras é tão grande que têm o displante de utilizar nomes da flora e da fauna nos prédios e grupos de construções que foram construídas nos lugares onde antes havia justamente inúmeras espécies da flora e da fauna! Exemplo muito marcante disso foi o que transformou o Horto Florestal da Cidade do Salvador no famoso bairro “Cidade Jardim”, onde impera o concreto e foi tão mal dimensionados que se um morados faz uma festa, ninguém pode visitar alguém dos prédios vizinhos porque a rua vira um grande engarrafamento e não há vagas para nela estacionar. Recentemente e igualmente grave foi que escavaram o morro logo abaixo da Cidade Jardim só para construírem mais um dos “trocentos” supermercados Hiper Ideal. Afinal, tudo depende de quem está a fazer. Do poder político e aquisitivo do proponente. Não é mesmo?

Mas a grande e pior das novidades não é só que esses edifícios estão sendo cornstruídos em frente ao mar, em um projeto de tornar nossa orla igual a Copacabana, na qual não corre nenhuma brisa, é que começaram a construir no canteiro entre as duas pistas da orla, entre as pistas da Avenida Otávio Mangabeira! Cada dia que passo por lá, vou contando quantos andares já foram construídos em um deles. Comecei achando que eram 3, mas já ultrapassam 6!

Mais um exemplo que destaco é o que está prestes a acontecer na Praia do Buracão, no Rio Vermelho:

Projeção de sombras que incidiriam sobre a Praia do Buracão caso sejam construídas as três torres planejadas pela Novonor (antiga Odebrecht) no Rio Vermelho, em Salvador; doutora em química contra o projeto alerta para o risco às correntes marítimas e à ventilação da cidade — Foto: Ilustração do arquiteto Daniel Pessoa a partir de detalhes do projeto/Movimento SOS (portal Globo)

Há alguns dias, ouvi a fala do deputado Alceu Moreira,  (pasmem) DO RIO GRANDE DO SUL, que teve a brilhante ideia de pôr em votação na Câmara essa Proposta de Emenda Constitucional denominada popularmente de PEC das PRAIAS. Vale escutar o áudio, porque ele nem disfarça que o objetivo é liberar as praias pra especulação imobiliária!  Por que será que, entre todos os problemas do país e, especialmente, aqueles gravíssimos do RS, essa "ilustre excelência" está tão preocupado com isso? Matéria publicada no UOL relara a lista de oito senadores e um governador a serem beneficiados pela sua aprovação e que há ainda 116 vereadores, 65 prefeitos, 41 deputados estaduais e 31 federais, 31 vice-prefeitos e 2 vice-governadores. Também podem ser favorecidos pela eventual mudança na legislação empresas do setor imobiliário, da agricultura e empresários que possuem imóveis nos chamados terrenos de marinha, que pertencem à União.

Só faltou que o deputado Alceu encerrasse sua fala com a seguinte frase:

 "Vamos aproveitar que está todo mundo ligado nessa tragédia e passar a boiada dos arranha-céus!”


                        Hotel Tambaú, uma construção particular na praia de João Pessoa, feita em 1970 para uso privado.

Essa luta é muito antiga, mas continuamos como estacas de braços dados, impedindo a boiada de passar