Com dezesseis anos, motivada por um gesto de extrema violência
de minha mãe, tive o meu primeiro sentimento de que a vida pode parecer
determinadamente desinteressante. No ano seguinte, meu pai deu a maior prova do
grande peso que ela pode ter em nossa mente e a que extremo isso pode nos
levar. Mais um ano e eu comecei resoluta um percurso no sentido de uma
trajetória que firmasse uma identidade própria: fui aprendendo a viver com a
liberdade que acredito ser direito de todo indivíduo, busquei me qualificar e construir
uma história profissional, reconstruí os
laços de afeto com meus dois irmãos de sangue e firmei vínculos fraternos
profundos e fundamentais com outros tantos seres, busquei contribuir para
trazer paz nas relação com as árvores familiares das quais fui o primeiro
fruto. Fiz uma longa busca no sentido de me conhecer, encarar e curar as
dolorosas feridas e sentir a presença do divino como fonte de aceitação e amparo.
Com 28 anos encontrei aquele que vislumbrei ser o meu parceiro no dia a dia e
na educação dos nossos filhos. Mas, aos 54 anos, ao chegar à conclusão de que
me identificava com a mesma menina órfã que fui aos 16, procurei entender porque
enquanto buscava ampliar a minha liberdade, diminuía gradativamente o espaço
entre as grades mentais que me aprisionavam. É assustador o quanto o passado
pode ser um monstro gigantesco e ao mesmo tempo invisível... Tenho voltado o meu olhar para os ensinamentos
diários dos meus pequenos mestres: Ciro e Liza. Venho aprendendo a olhar os
sinais de fragilidade e carência por traz da aparente maturidade dela que também
aos dezesseis ainda precisa do cuidado e do colo de sua mãe. Venho constatando que
em vários momentos Ciro é mais amadurecido emocionalmente do que eu e apesar de
não ser um surfista profissional tem sabido encarar de peito aberto as sucessivas
ondas de sua vida. O que desejo de 2014, está
intimamente ligado ao desenvolvimento da capacidade de viver a família que
construí: a zelar pelo companheiro que tem cuidado de mim por longo tempo, a dar
colo àquela que o tem aguardado timidamente. Ao cair da prancha e mergulhar na
escuridão do fundo do mar, posso sentir que há tranquilidade no seu profundo silêncio.
Do mesmo modo que, ao ser arremessada para além da crista da onda, há a chance
de optar pelo desespero de que a prancha bata em minha cabeça e me deixe inconsciente,
como agarrar a possibilidade de me ver
acima da imensidão do mar e mais perto de nuvens e estrelas.
CARTA
Mário Quintana
Hoje encontrei dentro de um
livro uma velha carta amarelecida,
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!
Desejo que todos soltemos as âncoras e venhamos à tona dos naufrágios de 2014 com corpo e alma mais leves e presentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sem muitos gerúndios, longas esperas e musiquinhas, o seu comentário é, de fato, importante para nós! Fique calmo, pois não vamos desligar a nossa ligação virtual, ok?