sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

MINHA CARTA AO ANO NOVO



Com dezesseis anos, motivada por um gesto de extrema violência de minha mãe, tive o meu primeiro sentimento de que a vida pode parecer determinadamente desinteressante. No ano seguinte, meu pai deu a maior prova do grande peso que ela pode ter em nossa mente e a que extremo isso pode nos levar. Mais um ano e eu comecei resoluta um percurso no sentido de uma trajetória que firmasse uma identidade própria: fui aprendendo a viver com a liberdade que acredito ser direito de todo indivíduo, busquei me qualificar e construir uma história profissional,  reconstruí os laços de afeto com meus dois irmãos de sangue e firmei vínculos fraternos profundos e fundamentais com outros tantos seres, busquei contribuir para trazer paz nas relação com as árvores familiares das quais fui o primeiro fruto. Fiz uma longa busca no sentido de me conhecer, encarar e curar as dolorosas feridas e sentir a presença do divino como fonte de aceitação e amparo. Com 28 anos encontrei aquele que vislumbrei ser o meu parceiro no dia a dia e na educação dos nossos filhos. Mas, aos 54 anos, ao chegar à conclusão de que me identificava com a mesma menina órfã que fui aos 16, procurei entender porque enquanto buscava ampliar a minha liberdade, diminuía gradativamente o espaço entre as grades mentais que me aprisionavam. É assustador o quanto o passado pode ser um monstro gigantesco e ao mesmo tempo invisível...  Tenho voltado o meu olhar para os ensinamentos diários dos meus pequenos mestres: Ciro e Liza. Venho aprendendo a olhar os sinais de fragilidade e carência por traz da aparente maturidade dela que também aos dezesseis ainda precisa do cuidado e do colo de sua mãe. Venho constatando que em vários momentos Ciro é mais amadurecido emocionalmente do que eu e apesar de não ser um surfista profissional tem sabido encarar de peito aberto as sucessivas ondas de sua vida. O que desejo de 2014, está intimamente ligado ao desenvolvimento da capacidade de viver a família que construí: a zelar pelo companheiro que tem cuidado de mim por longo tempo, a dar colo àquela que o tem aguardado timidamente. Ao cair da prancha e mergulhar na escuridão do fundo do mar, posso sentir que há tranquilidade no seu profundo silêncio. Do mesmo modo que, ao ser arremessada para além da crista da onda, há a chance de optar pelo desespero de que a prancha bata em minha cabeça e me deixe inconsciente, como agarrar a possibilidade de  me ver acima da imensidão do mar e mais perto de nuvens e estrelas.  

CARTA  
             Mário Quintana

Hoje encontrei dentro de um livro uma velha carta amarelecida,
Rasguei-a sem procurar ao menos saber de quem seria...
Eu tenho um medo
Horrível
A essas marés montantes do passado,
Com suas quilhas afundadas, com
Meus sucessivos cadáveres amarrados aos mastros e gáveas...
Ai de mim,
Ai de ti, ó velho mar profundo,
Eu venho sempre à tona de todos os naufrágios!





Desejo que todos soltemos as âncoras e venhamos à tona dos naufrágios de 2014 com corpo e alma mais leves e presentes. 

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