A ida a uma festa de Iemanjá há exatos 9 anos, motivou uma publicação de título xxx com a
foto abaixo. Escrevi o texto porque uma amiga me viu de longe, vestida de
branco, andando sob a areia da praia do Rio Vermelho e me achou bonita e feliz.
Eu, ao contrário, não me sentia nada bem. Era um daqueles dias em que, eu tinha
vencido a resistência de ficar na cama e aceito o convite para sair, porque insistiam
e o destino era uma festa daquela natureza! O estado em que participei da festa
naquele fevereiro de 2011 foi completamente diferente do que participei dela
hoje e, é claro, a experiência vivida foi igualmente distinta.
Por iniciativa minha, aderimos à
ideia de minha filha de dormir no apartamento de sua tia na Praia da Paciência.
Chegamos lá próximo a 1h do dia 2, com planos de acordar e nos unir à
programação
da 35a. Festa de Iemanjá da Pracinha do Alto de São Gonçalo.
Eu só dormi depois das 2h e
terminamos subindo a ladeira com atraso. Como o cortejo já havia descido com os
presentes, descemos para encontrá-lo antes da entrega, sem sucesso. Assim,
compramos 4 rosas (1 para ser jogada por cada um de nós e uma 4ª. na intenção de
nosso filho, morando fora do país) e fomos fazer uma oferenda familiar. Fomos até
o mais próximo que pudemos da murada junto à casa dos pescadores, até que eu
não quis continuar, pois a caminhada sobre as pedras era muito difícil para
alguém que perdeu muito do seu equilíbrio, seja por conta de medicamentos, seja
pela idade e estilo de vida sedentário. Assim, logo joguei a minha rosa amarela
e a azul do meu filho, que caíram sobre as pedras. Vendo isso, eles decidiram
ir jogar as suas mais adiante, me deixaram e seguiram andando.
Eu, magnetizada pela profusão de
tipos, com cabelos, olhos, peles e vestimentas exóticas, muito satisfeita em
ver tantas pessoas com uma aparente liberdade de ser e se apresentar, fiquei
observando o movimento do entorno. Mas a festa do Rio Vermelho também é uma
festa de largo a cada dia mais longa e populosa. Às vezes parece mais regada a cerveja do que às
águas da Deusa. São muitos holofotes, muitas câmeras e pessoas posando para
elas. Junto de mim havia um círculo de velas sobre uma reentrância no rochedo
que foi fotografado infinitamente. Assim, resolvi tentar me conectar com o
sagrado que me parecia tão difuso naquele momento.
Fichei os olhos e senti umas
pedrinhas roçando os meus pés. Vi depois que pareciam pipocas, mas havia de
fato uma pedra maior. Eu a apanhei para mostrar ao meu filho pelo celular e lhe
dar, quando ele estivesse em nosso país. Pouco depois, percebi um zumbido de
música próximo a mim. Quando localizei sua origem. Há meio metro, vi um homem
negro, barrigudo, com uma bermuda branca, de cabelos raspados dos lados e com um
topete e duas guias azuis e douradas no pescoço, entoando cânticos em uma
língua africana, enquanto, com os pés imersos, apanhava e derramava água do mar
sobre a sua cabeça voltada para o chão da praia. Eu reclinei o meu corpo e aproximei
o ouvido esquerdo para acompanhar melhor o seu cantar. Quando terminou, ele
pegou uma rosa branca e foi posicionando em seus chacras. Depois, despetalou a
rosa sobre a outra mão, as macerou e esfregou com elas uma das duas estátuas de
madeira que estava sobre as pedras e depois limpou a estátua na água com três movimentos
de baixo para cima. Repetido o
procedimento com a outra estátua, ele devolveu as imagens sobre um tecido
branco já aberto como lençol, as enrolou e colocou em uma sua bolsa. Em
seguida, pegou a maior das guias azuis, segurou uma de suas pontas no seu
umbigo e com a outra mão aproximou a outra extremidade da areia imersa. Imaginei
que ele fosse colocar a guia já limpa sobre as pedras. Ele não o fez. Ao devolver
essa guia, retornou com a outra e procedeu do mesmo jeito. Por fim, agora com o
corpo mais erguido, ele começou novos cânticos, acompanhados por mim e pelo ritmo
das batidas de suas palmas.
Assim que ele pegou a suas
sandálias, legitimas ou não, para ir embora, eu lhe falei:
- “Obrigada por ter feito o seu
ritual perto de mim, eu estava tentando me conectar com algo assim”. Ele abriu
um largo sorriso, apertou a minha mão, me ofertou a rosa branca que havia
restado em suas mãos e saiu.
Quando meu marido e filha voltaram, lhes contei, ainda em
estado de transe, que eu havia ido dar um presente para Iemanjá e ela havia me
retribuído o presente. Sim, Iemanjá é a mesma, a festa cresce, muita gente
expõe uma fé que talvez busquem, mas não encontraram ainda, demos de cara com bêbados
já largados sobre as pedras no alvorecer e axés são vendidos para pessoas em
fila, mas ainda há a possibilidade de conexão com a própria fé e até a chance
de contagiar outros com ela.