SAIBA
Um dito popular afirma que para marcar a nossa existência devemos plantar um árvore, escrever um livro e ter um filho. Questiono a afirmação triplamente.
O nível de destruição a
que chegamos da flora planetária exige que cada um de nós faça muito mais do
que plantar uma árvore em vida;
A opção por ter filhos,
que cabe igualmente a homens e mulheres, decisão muito profunda e pessoal, deve
ir muito além da necessidade de registrarmos a nossa passagem no mundo. Para
ela é preciso ter coragem, muita disponibilidade e esperança de que eles
consigam superar as mazelas da herança histórica que lhes deixamos. Segundo
Harary, o surgimento do Homo Sapiens se deu há 200 mil anos. A escrita
sistematizada, por seu turno, é um fenômeno extremamente recente, pois só foi
inventada com os sumérios em 3500 aC. É notório que alguns indivíduos deixaram legados
fundamentais, embora eles não tenham sido registrados na tradição escrita e várias
culturas, como a da população cigana, são fundamentalmente ágrafas. A indubitável
herança cultural dos nossos povos originários jamais poderia ser diminuída pelo
simples fato de que em alguns casos não há registros escritos. Na esfera
individual, a história da humanidade está repleta de grandes mestres
espirituais como Maomé, Buda e Cristo que só nos deixaram ensinamentos orais.
É comum ouvirmos: “Sua
vida daria um livro”! De minha parte, achava que a minha vida daria uma boa
novela mexicana, no sentido pejorativo do termo! Na verdade, a pergunta é: há
vida que não dê um livro? É claro que há pessoas cujos feitos mudaram o rumo da
humanidade para o bem ou para o mal. Há na história vários casos de seres que foram
fonte de inspiração para muitos outros, mas acredito que toda vida vale uma
narrativa pelas características pessoais de cada indivíduo inserido nas
peculiaridades de sua época, que, em interação dialética, determinaram as
singularidades de sua trajetória e a contribuição às gerações futuras. Nem que
elas possam ser tomadas como contraexemplos.
O que há de mais
importante na narrativa do “PROSAC – Letras em cápsulas” livro que acabo de
lançar, não são os fatos particulares de minha vida, mas o que há de
emblemático na minha forma de lidar com o adoecimento psíquico: sem
dissimulações, assumindo combater os preconceitos contra as pessoas “anormais”
e tentando contribuir minimamente para que, no limitado alcance das minhas
ações, compreendam melhor a si e aos outros. Não tenho fórmulas, não sou uma
especialista em saúde mental, nem possuo experiência exemplar. Conduzi a minha
vida com os acertos e equívocos que fui capaz de realizar, dentro das
limitações que estavam fora e dentro de mim. Apenas dou o meu depoimento.
Deixei lacunas, fui traída pela memória e cometi equívocos, mas esse é o olhar
que consigo ter hoje sobre o vivido. Apenas
isso. Gostaria de poder ajudar outros portadores de transtornos a se apossarem
de suas narrativas, ganhando consciência da riqueza de suas trajetórias. Tudo
isso.